domingo, 29 de maio de 2022

Seios e Rembrandts

Não é o assunto mais, digamos, palpitante do momento, mas os seios falsos têm significados culturais e até filosóficos que transcendem o meramente reflexivo enquanto divagação psicossociológica per se. E eu, pelo menos, não tenho nada melhor para fazer nos próximos três minutos, portanto vamos lá. Recentemente uma celebridade reagiu à ideia de que seus seios não eram seus dizendo que tinha pagado por eles, e, portanto, eles eram mais seus do que os originais. Certíssimo. Com a disposição de não apenas fazer seios novos mas ostentá-los, e a sua artificialidade, as mulheres (de todos os sexos) resolveram a velha questão, que vinha desde Santo Agostinho, entre Ser um corpo e Ter um corpo. O corpo passou a ser definitivamente uma posse: você não apenas o tem como pode mostrar a fatura.
Seios cirurgicamente aumentados simbolizam a rápida eliminação da distância entre o Homem (aqui representado pela Mulher) e a Técnica, pois o implante de silicone nada mais é do que a interiorização do enchimento que antes elas usavam no sutiã — a Técnica, no caso, sendo a antiga de nos enganar. Este processo de interiorização culminará com a implantação de microchips no cérebro humano e a eventual substituição do cérebro por um processador eletrônico que transformará cada ser humano no seu próprio computador, com o mouse localizado, presumivelmente, no umbigo. Os seios artificialmente alentados estão, por assim dizer, na frente da revolução tecnológica. E como, ao contrário do enchimento nos sutiãs, eles são francamente assumidos, também contribuem para diminuir um pouco da hipocrisia nas relações humanas. Hoje ao ver desfilar um par de seios perfeitos, as mulheres não mais cochicham, especulando se são verdadeiros ou não. Aplaudem abertamente e gritam “O autor, o autor!”, para procurá-lo também. E à medida que podem escolher os seios (ou o nariz, a boca, a bunda etc.) que usarão, as pessoas tomam as rédeas da própria vida e determinam seu próprio futuro — principalmente numa sociedade em que cada vez mais, figurativamente ou não, peito é destino.
Filosofia, na linha de “Se uma palmeira cai numa ilha deserta, longe de qualquer ouvido, ela faz barulho?”. Ou “Se ninguém, salvo o falsificador, sabe que um Rembrandt é falso, ele é falso?”. Se todos sabem que os seios admirados são falsos, e eles são admirados como falsificações, o conceito de autenticidade não está banido do mundo, inclusive para a avaliação de Rembrandts?

Luís Fernando Veríssimo, in Sexo na cabeça

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