Não
é o assunto mais, digamos, palpitante do momento, mas os seios
falsos têm significados culturais e até filosóficos que
transcendem o meramente reflexivo enquanto divagação
psicossociológica per se. E eu, pelo menos, não tenho nada melhor
para fazer nos próximos três minutos, portanto vamos lá.
Recentemente uma celebridade reagiu à ideia de que seus seios não
eram seus dizendo que tinha pagado por eles, e, portanto, eles eram
mais seus do que os originais. Certíssimo. Com a disposição de não
apenas fazer seios novos mas ostentá-los, e a sua artificialidade,
as mulheres (de todos os sexos) resolveram a velha questão, que
vinha desde Santo Agostinho, entre Ser um corpo e Ter um corpo. O
corpo passou a ser definitivamente uma posse: você não apenas o tem
como pode mostrar a fatura.
Seios
cirurgicamente aumentados simbolizam a rápida eliminação da
distância entre o Homem (aqui representado pela Mulher) e a Técnica,
pois o implante de silicone nada mais é do que a interiorização do
enchimento que antes elas usavam no sutiã — a Técnica, no caso,
sendo a antiga de nos enganar. Este processo de interiorização
culminará com a implantação de microchips no cérebro humano e a
eventual substituição do cérebro por um processador eletrônico
que transformará cada ser humano no seu próprio computador, com o
mouse localizado, presumivelmente, no umbigo. Os seios
artificialmente alentados estão, por assim dizer, na frente da
revolução tecnológica. E como, ao contrário do enchimento nos
sutiãs, eles são francamente assumidos, também contribuem para
diminuir um pouco da hipocrisia nas relações humanas. Hoje ao ver
desfilar um par de seios perfeitos, as mulheres não mais cochicham,
especulando se são verdadeiros ou não. Aplaudem abertamente e
gritam “O autor, o autor!”, para procurá-lo também. E à medida
que podem escolher os seios (ou o nariz, a boca, a bunda etc.) que
usarão, as pessoas tomam as rédeas da própria vida e determinam
seu próprio futuro — principalmente numa sociedade em que cada vez
mais, figurativamente ou não, peito é destino.
Filosofia,
na linha de “Se uma palmeira cai numa ilha deserta, longe de
qualquer ouvido, ela faz barulho?”. Ou “Se ninguém, salvo o
falsificador, sabe que um Rembrandt é falso, ele é falso?”. Se
todos sabem que os seios admirados são falsos, e eles são admirados
como falsificações, o conceito de autenticidade não está banido
do mundo, inclusive para a avaliação de Rembrandts?
Luís Fernando Veríssimo, in Sexo na cabeça
Nenhum comentário:
Postar um comentário