Quando
ele diz que está perdendo tempo, os outros compreendem o que ele
diz. Mas às vezes sucede-lhe sentir que está perdendo tempo – e
então ele nada dirá porque os outros não compreenderão. O dia de
hoje passou, por exemplo. Sua surpresa é como se não tivesse
pensado no dia de hoje o pensamento que só no dia de hoje viria. O
que ele teria pensado ou feito hoje não poderia ter pensado ou feito
nem ontem nem amanhã, pois há um tempo de rosas, outro de melões,
e não comereis morangos senão na época de morangos. Sentia que
havia um tempo inadiável correspondente a cada momento. Todo o seu
esforço era o de conseguir que essa espécie de hora correspondesse
à própria hora que não se perca.
Aliás,
percebendo que a expressão perder tempo não explicava,
escolheu outra que por um instante correspondeu à verdade:
aproveitar a mocidade. Mas só por um instante correspondeu à
verdade. Depois aproveitar a mocidade começou a encher-se de
um sentido próprio – e ele começou a aproveitar a mocidade, a
modo dele, que não era seu. E ele nunca conseguiu explicar como se
perdera em tal trama, a mocidade. A mocidade é mulheres? Não sei.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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