César Vallejo em Paris, em 1929
Outro homem foi Vallejo. Nunca esquecerei
sua grande cabeça amarela, parecida com as que se veem nas antigas
janelas do Peru. Vallejo era sério e puro. Morreu em Paris. Morreu
do ar sujo de Paris, do rio sujo de onde tiraram tantos mortos.
Vallejo morreu de fome e de asfixia. Se o tivéssemos trazido para o
Peru, se o tivéssemos feito respirar ar e terra peruana, talvez
estivesse vivo e cantando. Escrevi em épocas diferentes dois poemas
sobre meu amigo íntimo, sobre meu bom camarada. Neles creio estar
descrita a biografia de nossa amizade diversificada. O primeiro, “Ode
a César Vallejo”, aparece no primeiro volume de Odas
Elementales.
Nos últimos tempos, nesta pequena guerra
da literatura, a guerra mantida por pequenos soldados de dentes
ferozes, têm estado lançando Vallejo, a sombra de César Vallejo, a
ausência de César Vallejo, a poesia de César Vallejo contra mim e
minha poesia. Isto pode acontecer em toda parte. Trata-se de ferir os
que trabalharam muito. Dizer: “este não é bom; Vallejo sim é que
era bom.” Se Neruda estivesse morto, o lançariam contra Vallejo
vivo.
O segundo poema, cujo título é uma
letra só (a letra V), aparece em Estravagario.
Para buscar o indefinível, o mapa ou o
fio que une o homem à obra, falo daqueles que tiveram algo ou muito
que ver comigo. Vivemos em parte a vida juntos e agora eu sobrevivo a
eles. Não tenho outro meio de indagar o que chamam de mistério
poético e que eu chamaria de claridade poética. Tem que haver
alguma relação entre as mãos e a obra, entre os olhos, as
vísceras, o sangue do homem e seu trabalho. Mas eu não tenho teoria
a respeito. Não ando com um dogma debaixo do braço para deixá-lo
cair na cabeça de ninguém. Como quase todas as pessoas, vejo tudo
claro na segunda-feira, vejo tudo escuro na terça e acho que este
ano é claro-escuro. Os próximos anos serão azuis.
Pablo Neruda, in Confesso que vivi
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