Então eu estou na Espanha, finalmente!
Aconteceu tão rápido que eu mal pude entender. Os dignitários
espanhóis vieram esta manhã e eu fui com eles na carruagem. Essa
prontidão inesperada me pareceu estranha. Nós guiamos tão rápido
que em meia hora nós estávamos na fronteira da Espanha. Por toda a
Europa há esses trilhos de ferro fundido e os trens são muito
velozes. Um país maravilhoso, essa Espanha!
Conforme nós entramos no primeiro salão,
eu vi diversas pessoas com as cabeças raspadas. Eu logo imaginei que
eles devem ser nobres ou soldados, a julgar pelas cabeças raspadas.
O Chanceler de Estado que me levava pelas
mãos parecia se portar de uma forma esquisita; ele me empurrou para
um pequeno cômodo e disse “Fique aqui, e se você disser se
chamar ‘Rei Ferdinando’ de novo, eu vou arrancar essas palavras
de você.”
Eu sabia, contudo, que isso era apenas um
teste, e eu repeti a minha convicção; ao que o Chanceler me deu
dois golpes tão fortes com um bastão nas costas que eu poderia ter
berrado de dor. Mas eu me contive, me lembrando que essa era uma
cerimônia tradicional da nobreza para quando alguém era conduzido a
um alto posto, e que na Espanha as tradições da nobreza perduram
até o presente dia. Quando eu fiquei sozinho, me pus a estudar as
questões de Estado; eu descobri que a Espanha e a China são o mesmo
país, e é por ignorância que as pessoas acham que são reinos
separados. Eu recomendo que todos logo escrevam a palavra “Espanha”
em uma folha de papel; logo se verá que é o mesmo que escrever
“China”.
Mas eu fiquei muito incomodado por um
evento que acontecerá amanhã; às sete horas a Terra vai cair sobre
a Lua. Isso foi previsto pelo famoso químico britânico Welington.
Para dizer a verdade, eu costumo ficar inquieto quando penso na
excessiva fragilidade da Lua. A Lua é geralmente consertada em
Hamburgo, e de forma muito imperfeita. O serviço é feito por um
péssimo artesão, um sujeito estúpido que não tem ideia do que
está fazendo. Ele usa fios encerados com azeite – daí esse cheiro
pungente sobre toda a Terra que faz as pessoas cobrirem o nariz. E
isso deixa a Lua tão frágil que ninguém consegue morar nela. Logo,
nós não conseguimos ver nossos próprios narizes, já que eles
estão na Lua.
Quando eu imaginei comigo mesmo como a
Terra, esse corpo maciço, esmagaria nossos narizes se caísse sobre
a Lua eu fiquei tão inquieto que imediatamente vesti minhas meias e
calcei meus sapatos e me apressei para o salão do Conselho para dar
ordens à policia para evitar que a Terra caia sobre a Lua.
Os nobres de cabeça raspada, os quais eu
encontrei em grande número no salão, eram pessoas inteligentes e
quando eu gritei “Cavalheiros! Vamos salvar a Lua, pois a Terra
cairá sobre ela!” todos trabalharam para cumprir a minha ordem
imperial e muitos treparam nas paredes para puxar a Lua para baixo.
Nessa hora o Chanceler Imperial entrou. Tão logo ele apareceu, todos
se dispersaram, mas somente eu, como Rei, permaneci. Para minha
surpresa, contudo, o Chanceler me bateu com o bastão e me enxotou
para os meus aposentos. Como é forte o respeito à tradição na
Espanha!
Nikolai Gogol, in Diário de um louco
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