Hoje o mensageiro do escritório veio me
convocar, já que não estive lá em três semanas. Eu fui apenas por
diversão. O Escriturário Chefe pensou que eu fosse cumprimentá-lo
humildemente e inventar desculpas; mas eu o encarei com indiferença,
nem bravo, nem calmo, e me sentei em meu lugar como se não tivesse
notado ninguém. Eu olhei para aquela gentalha de escrivães e pensei
“Se vocês apenas soubessem quem está entre vocês! Céus! Que
bagunça vocês fariam. Até o Escriturário Chefe se curvaria até o
chão na minha frente como ele faz com o Diretor”.
Uma pilha de relatórios foi colocada à
minha frente, para que fossem feitos as ementas, mas eu não encostei
um dedo sequer.
Após algum tempo houve uma agitação no
escritório e se comentou que o Diretor estava chegando. Muitos dos
funcionários competiam para chamar atenção; mas eu não me movi.
Quando ele chegou à nossa sala, cada um correu a abotoar os casacos;
mas eu nem pensei em fazer algo do tipo. O que é o Diretor para mim?
Devo me levantar perante ele? Nunca. Que tipo de Diretor ele é? Ele
é uma tampa de garrafa e não um diretor. Uma simples e comum tampa
de garrafa – nada mais.
Eu me diverti quando me trouxeram um
documento para assinar. Eles pensaram que eu simplesmente escreveria
o meu nome – “fulano de tal, Conselheiro”. E por que
não? Mas no topo da página, onde o Diretor geralmente escreve o seu
nome, eu anotei, em letras grandes “Ferdinando VIII”. Você
deveria ver o silêncio reverencial que se fez. Mas eu fiz um gesto e
disse “Cavalheiros, nada de cerimônia, por favor!”. Então eu
saí e tomei o rumo da casa do Diretor.
Ele não estava em casa. O mordomo não
quis me deixar entrar, mas eu falei com ele de um jeito que o fez
ceder.
Eu fui direto ao vestíbulo da Sophie.
Ela estava sentada na frente do espelho. Quando ela me viu, pulou da
cadeira e deu um passo para trás; mas eu não contei para ela que eu
era o Rei da Espanha.
Mas eu contei para ela que a felicidade a
aguardava, além do que ela poderia imaginar; e que apesar das tramas
dos nossos adversários nós deveríamos nos unir. Isso era tudo o
que eu queria lhe dizer, e eu saí. Oh, que criaturas astutas são as
mulheres! Agora eu percebi o que a mulher realmente é. Até agora
ninguém sabia quem uma mulher ama; eu sou o primeiro a descobrir –
ela ama o demônio – e isso é tudo. Você vê uma mulher usando
seus binóculos no teatro, de um camarote na primeira fila. Alguém
pensaria que ela observa aquele cavalheiro ostentando suas medalhas.
Nem um pouco! Ela está observando o demônio que fica atrás dele.
Ele se esconde ali e acena para ela com o dedo. E ela se casa com ele
– efetivamente – ela se casa com ele!
Essa é toda a sua ambição e o motivo é
que sob a língua existe uma pequena bolha na qual há uma
minhoquinha do tamanho da cabeça de um alfinete. E isso é preparado
por um médico na Rua do Feijão; Eu não lembro o nome dele no
momento, mas isso é tão certo que, juntamente com uma parteira, ele
quer espalhar o islamismo pelo mundo todo, e em resposta um grande
número de pessoas na França já adotou a crença de Maomé.
Nikolai Gogol, in Diário de um louco
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