quarta-feira, 22 de setembro de 2021

O Apanhador no Campo de Centeio | 13

Sou o maior mentiroso do mundo. É bárbaro. Se vou até a esquina comprar uma revista e alguém me pergunta onde é que estou indo, sou capaz de dizer que vou a uma ópera. É terrível. Por isso, quando disse ao velho Spencer que tinha de ir ao ginásio apanhar o meu equipamento, era pura mentira. Nem costumo deixar a droga de meu equipamento no ginásio.
Meu quarto no Pencey ficava no Pavilhão Ossenburger, uma ala nova de dormitórios. Era reservada para alunos do terceiro e do quarto ano. Eu era terceiranista e meu colega de quarto estava no último ano. O Pavilhão tinha sido batizado em homenagem a um ex-aluno do Pencey, um tal de Ossenburger, que tinha ganho um montão de dinheiro como agente funerário depois que saiu do colégio. Foi ele quem lançou em todo o país aquelas agências funerárias em que a gente pode enterrar qualquer membro da família por cinco dólares cada. Valia a pena ver o tal de Ossenburger. Pelo jeito, ele provavelmente enfiava os cadáveres num saco e jogava tudo no rio. De qualquer maneira, havia doado uma fortuna ao Pencey e batizaram nossa ala com o nome dele. No dia do primeiro jogo de futebol do ano ele apareceu no colégio, metido numa baita duma Cadillac, e todo mundo teve que ficar de pé na arquibancada e lhe dar uma bruta salva de palmas. No dia seguinte, na capela, fez um discurso que durou umas dez horas. Começou com umas cinquenta piadas cretinas, só para provar que era um grande praça. Grande merda. Aí começou a contar como nunca se envergonhava de se ajoelhar e rezar a Deus, sempre que estava numa enrascada ou coisa parecida. Mostrou-nos como devíamos rezar a Deus – conversando com Ele e tudo – onde quer que estivéssemos. Disse que devíamos pensar em Jesus Cristo como se Ele fosse um camaradinha nosso. Contou que ele conversava com Jesus o tempo todo, mesmo quando estava guiando o automóvel. Essa foi a maior! Podia imaginar o filho da puta engrenando uma primeira e pedindo a Deus para lhe mandar mais alguns defuntos. A única coisa boa do discurso foi bem no meio. Ele estava contando que ótima pessoa que era, que sujeito bacana e tudo, quando de repente um cara que estava sentado na minha frente, o Edgar Marsalla, soltou um peido infernal. Era o tipo da coisa grosseira de se fazer numa capela e tudo, mas foi um bocado engraçado. O sacana do Marsalla por pouco não mandou o teto pelos ares. Quase ninguém riu alto, e o velho Ossenburger fingiu que nem tinha ouvido, mas o velho Thurmer, o diretor, estava sentado bem ao lado dele no tablado, e a gente podia ver que ele tinha ouvido. Puxa, o homenzinho ficou fulo de raiva. Na hora não disse nada, mas na noite seguinte decretou estudo obrigatório e apareceu para fazer um discurso. Disse que o rapaz que havia causado o distúrbio era indigno de pertencer ao Pencey. Tentamos convencer o Marsalla a soltar outro, bem no meio do discurso do velho Thurmer, mas ele não estava no estado de espírito necessário. De qualquer modo, lá é que era meu quarto: Pavilhão Ossenburger, nova ala de dormitórios.

J. D. Salinger, in O Apanhador no Campo de Centeio

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