quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Dia 4 de Outubro

Hoje é quinta-feira e como é usual estive no escritório. Cheguei cedo de propósito, me sentei e apontei todos os lápis.
Nosso Diretor deve ser um homem muito inteligente. A sala toda está repleta de estantes. Eu li o título de alguns dos livros; eles eram muito técnicos, além da compreensão de gente da minha classe, e todos em francês ou alemão. Eu olho em seu rosto e oh! quanta dignidade há em seus olhos. Eu nunca ouvi uma única palavra supérflua sair de sua boca, exceto quando ele me entrega os documentos e pergunta “Como está o tempo lá fora?”
Não, ele não é um homem da nossa classe; ele é um verdadeiro homem de Estado. Eu já percebi que sou um favorito dele. Agora se também o fosse de sua filha – ah! Que besteira – não direi mais sobre isso!
Eu li o Abelha do Norte. Que povo besta são os franceses! Céus! Eu gostaria de pegar todos eles e lhes dar uma bela surra. Eu também li uma bela descrição de um baile promovido por um proprietário de terras em Kursk. Os proprietários de terras em Kursk têm muito estilo.
Então eu percebi que já era meio dia e meio e o Diretor ainda não havia saído de seu gabinete. Mas lá pela uma e meia aconteceu algo que lápis algum pode descrever.
A porta se abriu. Eu pensei que fosse o Diretor; saltei do meu lugar com os documentos, e-então-ela-mesma-entrou-na-sala. Deuses! Como ela estava lindamente vestida. Suas vestes eram mais brancas que as penas de um cisne – oh, esplêndida! O brilho de um Sol, em verdade!
Ela me cumprimentou e perguntou “Meu pai ainda não saiu?”
Ah! Que voz. Um canário! Um verdadeiro rouxinol!
Sua Excelência” eu queria gritar “não mande que me executem, mas se deve ser feito, mate-me com suas mãos angelicais”. Mas, sabe Deus porque, eu não consegui falar. Então eu disse “Não, ele não saiu ainda”.
Ela me olhou de relance, olhou para os livros nas estantes e deixou cair o seu lenço. No mesmo instante eu pulei, mas escorreguei no chão infernalmente encerado e quase quebrei o meu nariz. Mesmo assim, consegui pegar o lenço. Pelos corais do paraíso, que lenço! Tão macio e suave, do melhor linho. Tinha um perfume digno de reis!
Ela me agradeceu, e sorriu tão amigavelmente que seus lábios de açúcar quase derreteram. Então ela saiu.
Depois que eu me sentei por quase uma hora, um serviçal entrou e me disse “Você pode ir para casa, Sr. Ivanovitch; o Diretor já foi embora!”
Eu não suporto esses serviçais! Eles perambulam pelos vestíbulos e mal se dignam a cumprimentar alguém com um aceno. Sim, às vezes é até pior; um desses patifes me ofereceu sua caixa de rapé sem nem mesmo se levantar. “Você não sabe, seu caipira simplório, que eu sou um oficial e nascido na aristocracia?”
Dessa vez, no entanto, eu peguei meu chapéu e meu casaco em silêncio; Essas pessoas naturalmente nunca pensam em ajudar os outros. Fui para a minha casa e fiquei um bom tempo deitado, e escrevi alguns versos no meu caderno:

Faz uma hora desde que te vi,
E parece um longo ano;
Se eu sofro com a minha própria existência,
Como posso seguir vivendo, minha querida?”

Acho que são de Pushkin.
Durante a noite eu me enrolei em minha capa e corri para a casa do Diretor, e esperei ali por muito tempo para ver se ela sairia e entraria na carruagem. Eu só queria vê-la uma vez, mas ela não veio.

Nikolai Gogol, in Diário de um louco

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