Como determinar se um mapa é bom? O
escritor argentino Jorge Luis Borges, em uma de suas brilhantes
alegorias, resumiu a situação em um conto de apenas um parágrafo,
“Sobre o rigor na ciência”: Naquele império, a Arte da
Cartografia alcançou tal Perfeição que o mapa de uma única
Província ocupava uma cidade inteira, e o mapa do Império uma
Província inteira. Com o tempo, estes Mapas Desmedidos não bastaram
e os Colégios de Cartógrafos levantaram um Mapa do Império que
tinha o Tamanho do Império e coincidia com ele ponto por ponto.
Menos Dedicadas ao Estudo da Cartografia,
as gerações seguintes decidiram que esse dilatado Mapa era Inútil
e não sem Impiedade entregaram-no às Inclemências do sol e dos
Invernos. Nos Desertos do Oeste perduram despedaçadas Ruínas do
Mapa habitadas por Animais e por Mendigos; em todo o País não há
outra relíquia das Disciplinas Geográficas.
O único mapa perfeito é o que reproduz
todos os detalhes do que está representando, o “território”.
Daí o paradoxo: um mapa do tamanho do território que representa não
tem nenhum valor. Um mapa perfeito é inútil. Note o título do
conto de Borges: “Sobre o rigor na ciência”. Isso faz sentido
porque podemos interpretar a ciência como sendo um mapa, uma
representação do que vemos da Natureza (o território). Assim
sendo, o conto de Borges é uma crítica aos cientistas que
acreditam, futilmente, que o que fazem é produzir um mapa perfeito
da realidade. A lição é simples: o mapa jamais será o território.
A analogia é bem apropriada, dado que
captura tanto os objetivos quanto as frustrações da pesquisa
científica: queremos aprender o máximo possível sobre o mundo, e
traduzir o que aprendemos num mapa que outros podem ler. Quanto mais
aprendemos, mais detalhado fica o mapa. Entretanto, como o filósofo
francês Bernard Le Bovier de Fontenelle já sabia em 1686, podemos
ver apenas uma fração do que existe.
Por consequência, qualquer mapa que
produzimos é necessariamente incompleto. Identificamos, aqui, a
tensão entre nossa curiosidade de sempre querer saber mais e nossa
inevitável miopia, que nos impede de ver tudo. Esta tensão não é
má, pois é ela que inspira nossa criatividade e inventividade.
Nossos instrumentos científicos são ferramentas de exploração,
que usamos para ampliar nossa visão do mundo, o que chamo de
amplificadores do real. Da mesma forma que mapas evoluem quando
aprendemos mais sobre a geografia terrestre, nossa compreensão
científica da Natureza evolui quando podemos explorá-la mais
profundamente com nossos instrumentos.
O perigo, como Borges nos alerta em seu
conto, é que nossa ambição pode ir contra nossos objetivos. Sem
uma reflexão maior, a necessidade de produzir mapas cada vez mais
precisos da realidade, com a intenção de chegar ao mapa final, à
descrição perfeita do território, é uma forma de cegueira.
Borges, que ficou cego devido a cataratas intratáveis na época,
sabia disso melhor do que a maioria. Mesmo com visão plena, muito do
mundo permanece oculto. Pela sua própria natureza, a ciência, em
qualquer de suas disciplinas, nunca poderá chegar a um estado final
de conhecimento considerado completo.
Da mesma forma que, na prática, é
impossível catalogar todas as espécies de insetos e de fungos no
planeta, nunca poderemos ter certeza de que nossa descrição das
interações entre as partículas subatômicas de matéria é, de
fato, final. No caso dos insetos e dos fungos, não só é impossível
localizar todos eles na vastidão da superfície e subsolo terrestre,
como devemos considerar que, durante o tempo que precisamos para
levantar os dados, algumas espécies irão desaparecer, enquanto
outras sofrerão mutações e consequentes transformações. Projetos
com esse tipo de objetivo são elusivos, fato que deveria tanto
inspirar e motivar mais estudos, quanto despertar uma boa dose de
humildade.
No caso das partículas elementares,
existe sempre a possibilidade de que alguma escape aos nossos
detectores e algoritmos de busca. Nunca poderemos ter certeza de que
a rede que estamos usando é fina o suficiente para capturar todas as
partículas, pela simples razão de que nunca poderemos ter certeza
de que sabemos tudo o que existe para ser capturado! Um mapa serve um
propósito preciso: guiar a pessoa do ponto A ao ponto B. Um mapa
eficiente é o que faz isso deixando de lado todos os detalhes
irrelevantes. Essa é a função dos modelos matemáticos que usamos
em ciência, representações dos aspectos essenciais da realidade
natural que queremos estudar, que deixam de fora o que não é
necessário.
Existe economia na simplicidade. Pensando
na ciência como um mapa e na Natureza como o território, Borges nos
ensina algo muito precioso. Devemos nos orgulhar dos mapas que
fazemos do mundo, tentando sempre melhorá-los. Por outro lado,
devemos nos lembrar que todo mapa é limitado, fornecendo informação
incompleta do território que mapeia. Vemos o mundo com olhos
estritamente humanos, e nossos mapas imperfeitos são um reflexo
disso.
Marcelo Gleiser, in O caldeirão azul
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