terça-feira, 27 de abril de 2021

Tributo ao fracasso

          Numa sociedade onde o sucesso é o objetivo de praticamente todos, onde celebridades, superatletas e os muito ricos são idolatrados, o fracasso pode parecer algo vergonhoso, que devemos evitar a todo custo e que, quando não podemos, devemos ao menos fingir que não aconteceu. O fracasso é aquela poeira que varremos para baixo do tapete, achando que, assim, a casa fica mais limpa. Essa atitude em relação ao fracasso precisa mudar. Alguns anos atrás, li um breve ensaio sobre o assunto de autoria de Costica Bradatan, professor associado de religião comparada da Universidade Texas Tech e editor da Los Angeles Review of Books.
Inspirado pelas palavras de Bradatan, resolvi escrever meu próprio tributo ao fracasso, que divido aqui com vocês. Só falhamos quando tentamos fazer algo. Só isso já deveria estabelecer o valor do fracasso, pois é relacionado com o esforço que dedicamos a um projeto. Evitar fazer algo para evitar o fracasso é muito pior, pois representa estagnação, o medo paralisador de falhar. Nas ciências e nas artes, só não falha quem não está engajado num projeto criativo.
Todo poeta, todo pintor, todo cientista coleciona um número muito maior de fracassos do que de sucessos. Frases sem estrutura ou impacto, pinceladas inseguras, hipóteses erradas... Nos esportes não é diferente: o sucesso vem após muito suor; ninguém nasce campeão. Se não fracassamos, não avançamos. O sucesso é filho do fracasso. Muita gente tem aquela imagem do gênio como a pessoa que nunca falha, para quem tudo é sempre fácil, meio que magicamente. Grande ilusão. Todo gênio sofre as dores do parto criativo, perdido num labirinto de ideias, avançando na direção errada, tentando isso ou aquilo até encontrar uma solução.
Talvez seja por isso que o escritor Irving Stone tenha dado o título Agonia e êxtase ao seu romance biográfico de Michelangelo, o grande pintor e escultor renascentista. Ambos são parte do processo criativo, a agonia que vem do fracasso e o êxtase de encontrar um caminho certo, de ter criado algo novo, algo que ninguém havia feito ou pensado antes, algo que abre uma nova porta para a humanidade, um novo modo de olhar para o mundo ou para nós mesmos. Nada melhor do que fracassar para ganhar uma dose de humildade nos confrontos da vida.
O fracasso nos ensina a sermos tolerantes com nossas limitações e, por consequência, com as limitações dos outros. Se tudo que fizéssemos fosse um grande sucesso, como poderíamos entender e ter empatia pelos que falham? O fracasso é essencial para a empatia, e a empatia é essencial para uma sociedade saudável. Embora existam exceções, acredito que os melhores professores sejam aqueles que tiveram que trabalhar duro quando eram alunos, aqueles para quem o sucesso custou muito suor. A dedicação extra para entender o material do curso quando eram estudantes garante que, quando forem ensinar, tomarão mais cuidado, entendendo melhor as dificuldades dos alunos. Sem o fracasso, teríamos apenas vencedores, sem paciência com aqueles que precisam de um esforço maior para ter sucesso. Aliás, sem o fracasso, o sucesso não teria qualquer valor.
Com frequência, nossa vaidade pessoal distorce a memória dos nossos fracassos passados. Isso é o que ocorre com as pessoas arrogantes, aqueles que escondem seus fracassos e dificuldades sob uma máscara de sucesso permanente. Vemos isso por toda parte, nos colegas do time de futebol da escola a presidentes de empresas e nações. Se o fracasso fosse mais bem-aceito socialmente, a arrogância seria mais rara. Para terminar, não posso deixar de mencionar o fracasso inevitável para todos, o fracasso final dos nossos corpos quando chega a nossa hora. Muitas pessoas, quando refletem sobre esse fato inevitável, se apegam à possibilidade de uma existência incorpórea, seja ela de caráter religioso ou científico.
Já outras, céticas do que a religião ou a ciência podem fazer pela imortalidade, ou simplesmente desinteressadas na extensão indeterminada de sua longevidade, se apegam à vida com tudo o que têm, focando suas energias no aqui e agora. Dadas as incertezas de uma existência incorpórea – como espírito ou como informação digitalizada –, me parece prudente abraçar a vida que temos aqui e agora, celebrando nossos fracassos, incluindo o nosso fim, como parte essencial de estarmos vivos. Uma vida sem fracassos é uma vida menos vivida.

Marcelo Gleiser, in O caldeirão azul

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