Numa sociedade onde o sucesso é o
objetivo de praticamente todos, onde celebridades, superatletas e os
muito ricos são idolatrados, o fracasso pode parecer algo
vergonhoso, que devemos evitar a todo custo e que, quando não
podemos, devemos ao menos fingir que não aconteceu. O fracasso é
aquela poeira que varremos para baixo do tapete, achando que, assim,
a casa fica mais limpa. Essa atitude em relação ao fracasso precisa
mudar. Alguns anos atrás, li um breve ensaio sobre o assunto de
autoria de Costica Bradatan, professor associado de religião
comparada da Universidade Texas Tech e editor da Los Angeles Review
of Books.
Inspirado pelas palavras de Bradatan,
resolvi escrever meu próprio tributo ao fracasso, que divido aqui
com vocês. Só falhamos quando tentamos fazer algo. Só isso já
deveria estabelecer o valor do fracasso, pois é relacionado com o
esforço que dedicamos a um projeto. Evitar fazer algo para evitar o
fracasso é muito pior, pois representa estagnação, o medo
paralisador de falhar. Nas ciências e nas artes, só não falha quem
não está engajado num projeto criativo.
Todo poeta, todo pintor, todo cientista
coleciona um número muito maior de fracassos do que de sucessos.
Frases sem estrutura ou impacto, pinceladas inseguras, hipóteses
erradas... Nos esportes não é diferente: o sucesso vem após muito
suor; ninguém nasce campeão. Se não fracassamos, não avançamos.
O sucesso é filho do fracasso. Muita gente tem aquela imagem do
gênio como a pessoa que nunca falha, para quem tudo é sempre fácil,
meio que magicamente. Grande ilusão. Todo gênio sofre as dores do
parto criativo, perdido num labirinto de ideias, avançando na
direção errada, tentando isso ou aquilo até encontrar uma solução.
Talvez seja por isso que o escritor
Irving Stone tenha dado o título Agonia e êxtase ao seu romance
biográfico de Michelangelo, o grande pintor e escultor
renascentista. Ambos são parte do processo criativo, a agonia que
vem do fracasso e o êxtase de encontrar um caminho certo, de ter
criado algo novo, algo que ninguém havia feito ou pensado antes,
algo que abre uma nova porta para a humanidade, um novo modo de olhar
para o mundo ou para nós mesmos. Nada melhor do que fracassar para
ganhar uma dose de humildade nos confrontos da vida.
O fracasso nos ensina a sermos tolerantes
com nossas limitações e, por consequência, com as limitações dos
outros. Se tudo que fizéssemos fosse um grande sucesso, como
poderíamos entender e ter empatia pelos que falham? O fracasso é
essencial para a empatia, e a empatia é essencial para uma sociedade
saudável. Embora existam exceções, acredito que os melhores
professores sejam aqueles que tiveram que trabalhar duro quando eram
alunos, aqueles para quem o sucesso custou muito suor. A dedicação
extra para entender o material do curso quando eram estudantes
garante que, quando forem ensinar, tomarão mais cuidado, entendendo
melhor as dificuldades dos alunos. Sem o fracasso, teríamos apenas
vencedores, sem paciência com aqueles que precisam de um esforço
maior para ter sucesso. Aliás, sem o fracasso, o sucesso não teria
qualquer valor.
Com frequência, nossa vaidade pessoal
distorce a memória dos nossos fracassos passados. Isso é o que
ocorre com as pessoas arrogantes, aqueles que escondem seus fracassos
e dificuldades sob uma máscara de sucesso permanente. Vemos isso por
toda parte, nos colegas do time de futebol da escola a presidentes de
empresas e nações. Se o fracasso fosse mais bem-aceito socialmente,
a arrogância seria mais rara. Para terminar, não posso deixar de
mencionar o fracasso inevitável para todos, o fracasso final dos
nossos corpos quando chega a nossa hora. Muitas pessoas, quando
refletem sobre esse fato inevitável, se apegam à possibilidade de
uma existência incorpórea, seja ela de caráter religioso ou
científico.
Já outras, céticas do que a religião
ou a ciência podem fazer pela imortalidade, ou simplesmente
desinteressadas na extensão indeterminada de sua longevidade, se
apegam à vida com tudo o que têm, focando suas energias no aqui e
agora. Dadas as incertezas de uma existência incorpórea – como
espírito ou como informação digitalizada –, me parece prudente
abraçar a vida que temos aqui e agora, celebrando nossos fracassos,
incluindo o nosso fim, como parte essencial de estarmos vivos. Uma
vida sem fracassos é uma vida menos vivida.
Marcelo Gleiser, in O caldeirão azul
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