Arte: Rex Design
A moça vai para a Europa de navio e um
amigo que lá se encontra lhe encomendou... um macaco. Para que ele
quer um macaco, não cheguei a ficar sabendo, e creio que nem ela
mesma. Em todo caso, como sua viagem será de navio, comprou o
macaco, conforme a encomenda: um macaquinho desses pequenos, quase um
sagui, de rabo comprido, que coçam a barriga e imitam a gente.
Meteu-o numa gaiola e lá se foi para legalizar a situação do seu
companheiro de viagem.
Não precisou propriamente de um
passaporte para ele: precisou de atestado de saúde, de vacina, disso
e daquilo – além do competente visto em cada um dos consulados dos
países que pretende percorrer até chegar ao seu destino. Depois foi
à companhia de navegação da qual será passageira cuidar da
licença para ter o bichinho consigo a bordo.
O funcionário que a atendeu, sem querer
criar dificuldades, fez-lhe ver que até então não estava previsto
o transporte de macacos junto com os passageiros nos navios daquela
frota.
– A senhora não me leve a mal, mas
olhe aqui.
E mostrou-lhe um impresso no qual se
estipulava que os passageiros teriam de pagar um acréscimo no preço
da passagem, em escala crescente, para carregar consigo aves, gatos e
cachorros.
– Macaco é a primeira vez que ocorre,
por isso até hoje não foi incluído na tabela. Mas não se
preocupe: ele poderá viajar como cachorro.
O que significava que ela teria de pagar
o preço mais alto da tabela pela viagem do macaquinho.
– Como cachorro? – protestou. – E
por que não como gato?
– Porque a incluí-lo em alguma
categoria, me parece que a mais aproximada seja a dos cachorros.
– Por quê?
– Porque entre um macaco e um
cachorro...
– Não vejo semelhança nenhuma entre
um macaco e um cachorro.
O funcionário coçou a cabeça, no que
foi logo imitado pelo macaquinho, preso na sua gaiola:
– Bem, mas também não acho que ele se
pareça com um gato.
– Eu não disse que ele se parece com
um gato – insistiu ela: – Só não vejo por que hei de pagar por
ele segundo a tabela mais cara. Para mim ele podia ir até como ave.
Já não está numa gaiola?
O homem começou a rir:
– Quer dizer que basta meter dentro de
uma gaiola que é ave? Ave tem duas pernas, macaco tem quatro.
– Quer dizer que eu sou ave, porque
também tenho duas pernas – retrucou ela.
– É uma questão de tamanho... –
vacilou ele.
– De tamanho? E a diferença entre um
avestruz e um beija-flor?
Os outros funcionários se aproximaram,
interessados na controvérsia.
– Na minha opinião ele pode ir
perfeitamente como gato – sugeriu um deles, conquistando logo um
sorriso agradecido da dona do macaco. – Gato sobe em árvore,
macaco também...
– Gato mia – tornou o homem: –
Macaco mia?
– Não mia nem late, essa é boa.
– Ah, é? Basta latir para ser
cachorro? Então au! au! au! Agora eu sou um cachorro.
– Eu não disse que bastava latir para
ser cachorro – o outro funcionário respondeu, agastado. – Você
disse que ele se parece mais com um cachorro. Eu disse que ele pode
ir como cachorro ou como gato, tanto faz – a semelhança é a
mesma.
– Ou como ave – acrescentou a dona do
macaco.
– Não: como ave também não.
Outro passageiro, que aguardava a vez de
extrair sua passagem, resolveu entrar na conversa:
– Me permitem uma sugestão?
Todos se voltaram para ele, interessados.
– A seguir esse critério de
semelhança, vocês não chegam a resultado nenhum. Ave é ave, gato
é gato, cachorro é cachorro.
– Macaco é macaco. E daí?
– Daí que os senhores têm de criar
para ele uma categoria nova, eis tudo – encerrou o homem.
– Então vai pagar mais ainda que
cachorro.
– Absolutamente. Macaco é o bicho que
mais se assemelha ao homem. Esse macaquinho podia perfeitamente
viajar como filho dela, por exemplo.
– Como filho meu? – protestou ela,
indignada. – Tem cabimento o senhor vir dizer uma coisa dessas? Ele
pode parecer é com o senhor, e com toda sua família, não comigo.
– Perdão – voltou-se o homem, muito
delicado. – Não quis ofendê-la. Uma criancinha do tamanho deste
macaco não pagaria nada, viajaria de graça. Era lá que eu queria
chegar.
A essa altura resolveram consultar o
gerente da companhia. Ele ouviu com silencioso interesse a explanação
que lhe fez o funcionário, olhou para o macaquinho, para a dona
dele, para os circunstantes.
– Vai como gato – decidiu
peremptoriamente, encerrando a discussão.
Não sem antes acrescentar, em tom mais
discreto:
– Aliás, devo dizer, a bem da verdade,
que não se trata de um macaco, mas de uma macaca.
Fernando Sabino, in Fernando Sabino na sala de aula
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