segunda-feira, 1 de março de 2021

A companheira de viagem

 

Arte: Rex Design


A moça vai para a Europa de navio e um amigo que lá se encontra lhe encomendou... um macaco. Para que ele quer um macaco, não cheguei a ficar sabendo, e creio que nem ela mesma. Em todo caso, como sua viagem será de navio, comprou o macaco, conforme a encomenda: um macaquinho desses pequenos, quase um sagui, de rabo comprido, que coçam a barriga e imitam a gente. Meteu-o numa gaiola e lá se foi para legalizar a situação do seu companheiro de viagem.
Não precisou propriamente de um passaporte para ele: precisou de atestado de saúde, de vacina, disso e daquilo – além do competente visto em cada um dos consulados dos países que pretende percorrer até chegar ao seu destino. Depois foi à companhia de navegação da qual será passageira cuidar da licença para ter o bichinho consigo a bordo.
O funcionário que a atendeu, sem querer criar dificuldades, fez-lhe ver que até então não estava previsto o transporte de macacos junto com os passageiros nos navios daquela frota.
A senhora não me leve a mal, mas olhe aqui.
E mostrou-lhe um impresso no qual se estipulava que os passageiros teriam de pagar um acréscimo no preço da passagem, em escala crescente, para carregar consigo aves, gatos e cachorros.
Macaco é a primeira vez que ocorre, por isso até hoje não foi incluído na tabela. Mas não se preocupe: ele poderá viajar como cachorro.
O que significava que ela teria de pagar o preço mais alto da tabela pela viagem do macaquinho.
Como cachorro? – protestou. – E por que não como gato?
Porque a incluí-lo em alguma categoria, me parece que a mais aproximada seja a dos cachorros.
Por quê?
Porque entre um macaco e um cachorro...
Não vejo semelhança nenhuma entre um macaco e um cachorro.
O funcionário coçou a cabeça, no que foi logo imitado pelo macaquinho, preso na sua gaiola:
Bem, mas também não acho que ele se pareça com um gato.
Eu não disse que ele se parece com um gato – insistiu ela: – Só não vejo por que hei de pagar por ele segundo a tabela mais cara. Para mim ele podia ir até como ave. Já não está numa gaiola?
O homem começou a rir:
Quer dizer que basta meter dentro de uma gaiola que é ave? Ave tem duas pernas, macaco tem quatro.
Quer dizer que eu sou ave, porque também tenho duas pernas – retrucou ela.
É uma questão de tamanho... – vacilou ele.
De tamanho? E a diferença entre um avestruz e um beija-flor?
Os outros funcionários se aproximaram, interessados na controvérsia.
Na minha opinião ele pode ir perfeitamente como gato – sugeriu um deles, conquistando logo um sorriso agradecido da dona do macaco. – Gato sobe em árvore, macaco também...
Gato mia – tornou o homem: – Macaco mia?
Não mia nem late, essa é boa.
Ah, é? Basta latir para ser cachorro? Então au! au! au! Agora eu sou um cachorro.
Eu não disse que bastava latir para ser cachorro – o outro funcionário respondeu, agastado. – Você disse que ele se parece mais com um cachorro. Eu disse que ele pode ir como cachorro ou como gato, tanto faz – a semelhança é a mesma.
Ou como ave – acrescentou a dona do macaco.
Não: como ave também não.
Outro passageiro, que aguardava a vez de extrair sua passagem, resolveu entrar na conversa:
Me permitem uma sugestão?
Todos se voltaram para ele, interessados.
A seguir esse critério de semelhança, vocês não chegam a resultado nenhum. Ave é ave, gato é gato, cachorro é cachorro.
Macaco é macaco. E daí?
Daí que os senhores têm de criar para ele uma categoria nova, eis tudo – encerrou o homem.
Então vai pagar mais ainda que cachorro.
Absolutamente. Macaco é o bicho que mais se assemelha ao homem. Esse macaquinho podia perfeitamente viajar como filho dela, por exemplo.
Como filho meu? – protestou ela, indignada. – Tem cabimento o senhor vir dizer uma coisa dessas? Ele pode parecer é com o senhor, e com toda sua família, não comigo.
Perdão – voltou-se o homem, muito delicado. – Não quis ofendê-la. Uma criancinha do tamanho deste macaco não pagaria nada, viajaria de graça. Era lá que eu queria chegar.
A essa altura resolveram consultar o gerente da companhia. Ele ouviu com silencioso interesse a explanação que lhe fez o funcionário, olhou para o macaquinho, para a dona dele, para os circunstantes.
Vai como gato – decidiu peremptoriamente, encerrando a discussão.
Não sem antes acrescentar, em tom mais discreto:
Aliás, devo dizer, a bem da verdade, que não se trata de um macaco, mas de uma macaca.

Fernando Sabino, in Fernando Sabino na sala de aula

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