Desde
que leu numa revista o nome de Aspásia Papananessiou, poetisa grega
exilada durante a ditadura militar do seu país, Evaristo, poeta
fluminense, sentiu a flecha da paixão cravar-se-lhe no peito. Rompeu
com a noiva e concentrou todo o amor naquela desconhecida.
Livros
de Aspásia, Evaristo não tinha nem adiantaria tê-los, por
ignorância da língua e por falta de professor de grego em Macaé.
Correu às livrarias do Rio, à caça de traduções francesas ou
espanholas dos poemas, sem obtê-las. Pensou em recorrer ao consulado
da Grécia, mas um amigo o advertiu de que, sendo Aspásia
contestadora do regime, aquela não seria a melhor fonte de
informações.
— Ao
menos um retrato — Evaristo suspirava. — Quero uma foto de
Aspásia. Deve ser linda, como lindo é o seu nome, e lindo,
sobretudo, o sobrenome.
Passava
dias inteiros pronunciando e escandindo essas palavras mágicas para
ele. E por se tornar esquivo ao trabalho, perdeu o emprego na
secretaria da prefeitura de Macaé.
Já
agora vagabundo, soltou-se e viajou como clandestino em navios pelos
sete mares da Terra. Um dia (tinha certeza) encontraria Aspásia e a
ela se dedicaria à maneira dos cães fidelíssimos. Foi preso,
expulso de vários países, comeu a pera da angústia, que nem era
pera, mas antes pedra, e nunca ninguém lhe disse que conhecia
Aspásia Papananessiou ou lera um de seus versos.
Não
há mais notícias de Evaristo, e seus amigos de Macaé, também
poetas, admitem que:
a)
Evaristo perseguirá até a morte o mito criado por ele, pois Aspásia
não existe;
b)
encontrará Aspásia num subúrbio de Atenas, e verá que ela não é
o ser maravilhoso que ele imaginara;
c)
Aspásia e Evaristo, junto a uma doca do Pireu, não se entendendo
por causa da diferença de idiomas, entram em conflito, e ela o mata
com um punhal;
d)
Evaristo encarna-se no mito por ele gerado e passa a usar travesti;
e)
Evaristo se desilude, volta para Macaé e pede reintegração no
cargo municipal.
Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis
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