sábado, 12 de dezembro de 2020

Um caso de paixão

          Desde que leu numa revista o nome de Aspásia Papananessiou, poetisa grega exilada durante a ditadura militar do seu país, Evaristo, poeta fluminense, sentiu a flecha da paixão cravar-se-lhe no peito. Rompeu com a noiva e concentrou todo o amor naquela desconhecida.
Livros de Aspásia, Evaristo não tinha nem adiantaria tê-los, por ignorância da língua e por falta de professor de grego em Macaé. Correu às livrarias do Rio, à caça de traduções francesas ou espanholas dos poemas, sem obtê-las. Pensou em recorrer ao consulado da Grécia, mas um amigo o advertiu de que, sendo Aspásia contestadora do regime, aquela não seria a melhor fonte de informações.
Ao menos um retrato — Evaristo suspirava. — Quero uma foto de Aspásia. Deve ser linda, como lindo é o seu nome, e lindo, sobretudo, o sobrenome.
Passava dias inteiros pronunciando e escandindo essas palavras mágicas para ele. E por se tornar esquivo ao trabalho, perdeu o emprego na secretaria da prefeitura de Macaé.
Já agora vagabundo, soltou-se e viajou como clandestino em navios pelos sete mares da Terra. Um dia (tinha certeza) encontraria Aspásia e a ela se dedicaria à maneira dos cães fidelíssimos. Foi preso, expulso de vários países, comeu a pera da angústia, que nem era pera, mas antes pedra, e nunca ninguém lhe disse que conhecia Aspásia Papananessiou ou lera um de seus versos.
Não há mais notícias de Evaristo, e seus amigos de Macaé, também poetas, admitem que:
a) Evaristo perseguirá até a morte o mito criado por ele, pois Aspásia não existe;
b) encontrará Aspásia num subúrbio de Atenas, e verá que ela não é o ser maravilhoso que ele imaginara;
c) Aspásia e Evaristo, junto a uma doca do Pireu, não se entendendo por causa da diferença de idiomas, entram em conflito, e ela o mata com um punhal;
d) Evaristo encarna-se no mito por ele gerado e passa a usar travesti;
e) Evaristo se desilude, volta para Macaé e pede reintegração no cargo municipal.

Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis

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