Uma mulher, qualquer mulher, passa boa
parte da vida ouvindo — e às vezes repetindo — que uma mulher só
se torna completa depois de ser mãe. A maternidade é linda e, até
quando padecem, as mães estão no paraíso. Aquelas que não
quiseram ou não puderam ser mães são olhadas com condescendência
pelas mães do ano. Sempre com aquele olhar pleno — e superior —
de mulher completa. Bem, sou mãe. E concordo que a maternidade seja
uma experiência extraordinária. Nunca soube que era possível amar
tanto alguém quanto amo minha filha. Mas não acho que todas as
mulheres devam ter filhos, nem acho que são menos mulheres aquelas
que escolhem não tê-los. Todas as experiências são
insubstituíveis e únicas. E a maternidade é tão insubstituível
como qualquer outra experiência intensa de vida. Passamos do tempo
da imposição reprodutiva. Ser mãe é uma escolha.
Dito isso, queria abordar aqui algo sobre
o qual pouca gente fala, já que a maternidade ainda é um dos
últimos conceitos a resistir na esfera do sagrado. Se você for uma
boa mulher, só pode ter belos sentimentos pelo bebê na sua barriga.
E vai achar até as dores do parto algo do âmbito do sublime. Mas a
realidade não é bem assim. Mesmo que muitas mulheres não ousem
confessar por medo de serem apedrejadas.
Posso afirmar que achei a gravidez uma
experiência assustadora. Por muitos anos, pensei que se devia ao
fato de ter sido uma mãe adolescente: engravidei aos 15 anos. Nos
últimos tempos, porém, muitas amigas na faixa dos 30 e poucos anos
começaram a engravidar. E, nestas conversas, muito além da escolha
dos nomes e da lista do chá de bebê, descobri que a gravidez era
difícil para algumas delas. Mesmo desejando muito aquele filho ou
filha, a gestação mexia com medos profundos.
As experiências humanas são
contraditórias. Nunca sentimos uma coisa só. Amamos profundamente o
homem ou a mulher ao nosso lado, mas desejamos o George Clooney ou o
cara sensível que conhecemos na fila de autógrafos de um autor
bacana. Adoramos nosso chefe quando ele se mostra acolhedor e
sensível, mas gostaríamos de vê-lo ardendo no inferno quando é
ríspido ou mesquinho. E assim por diante. Por que só a maternidade
seria um caminho linear e sem conflitos?
É claro que cada história é uma
história, cada mulher é uma mulher e cada gravidez é uma gravidez.
Também imagino que devem existir mulheres que (quase) só têm
alegrias na gestação. Mas acho que a maioria sente um pouco de
tudo. E é importante ter espaço para falar desses sentimentos
aparentemente contraditórios sem se sentir anormal ou má.
Em nome da profana missão de arrancar a
maternidade das nuvens e devolvê-la ao chão esburacado da
humanidade, vou dar a minha cara para bater ao falar de minha
experiência pessoal. Ou, visto de outra forma, vou deslocar um pouco
a maternidade da santidade da Virgem Maria — uma mãe tão
vocacionada que conseguiu engravidar sem conhecer um homem — e
transferi-la para o panteão das deusas da mitologia greco-romana —
algumas delas capazes de devorar os próprios filhos se eles
enchessem o saco.
Eu, por exemplo, até o fim da gravidez
não sabia se dentro de mim havia um bebê ou um alien. Era uma
adolescente daquelas bem magras. E o bebê foi crescendo dentro da
minha barriga. Eu sabia que era um bebê, óbvio, toda a cidade
sabia. E o fato de saber não eliminava o estranhamento de ter algo
vivo crescendo no meu útero. Afinal, até ontem não havia nada ali.
E, agora, minha pele espichava, estrias apareciam. Tudo no mais
absoluto silêncio.
Um belo dia, eu fui ao consultório e o
médico colocou um aparelho na minha barriga. Todo animado,
amplificou o som do coração do bebê. Achei emocionante. Mas fiquei
pensando: como assim? Tem outro coração batendo dentro de mim além
do meu? É lindo, claro. Mas, com um pouco de boa vontade, dá para
compreender que também é aterrorizante.
Mais um tempo e o bebê começou a se
mexer dentro de mim. No início, era algo imperceptível. Eu achava
que estava apenas passando mal do estômago. O bebê começou a
chutar com mais força. Chamei toda a família porque sabia que era
um grande momento. A partir desse dia, minha barriga virou uma parada
de mão pública. Ela não era mais minha. Era dele, do ser dentro de
mim, e de todas as pessoas que achavam aqueles chutes a coisa mais
fofa do mundo. Virei uma mesa onde todos descansavam a mão e diziam:
“ohhhhh”.
À noite, ficava pensando que aquele
pequeno alien dentro de mim estava se alimentando de mim. Era
impressionante. E também um terror. E ele continuava crescendo. E
espichando a minha barriga até proporções inimagináveis. Onde
estava escondida toda aquela pele?
Numa dessas noites, tive um insight.
Aquele ser não mais tão pequeno teria de sair de mim. De uma
maneira ou outra. Tirei meus neurônios de todos os projetos
paralelos e, histérica, concentrei-os na tarefa principal: descobrir
um jeito de o pequeno pimpolho sair de onde estava sem que fosse pelo
parto ou por uma cirurgia. Nada. Nenhuma mínima pista.
A partir daquele momento, eu não queria
mais que o bebê saísse de dentro de mim. Que ficasse ali pelo resto
da vida. Eu já tinha me acostumado com aquelas calças largas.
Poderia viver com elas por mais cem anos. E já tinha esquecido como
era bom dormir de bruços. Mas o ultrassom não mentia. A coisinha
agora era uma coisona. E crescendo. Dava até para saber se era
menino ou menina. Mas eu não queria saber. Que fosse uma surpresa.
Internamente, ainda não tinha sido abandonada pela ideia de que, no
final das contas, era um alien que morava ali.
E então, lá estava eu, ao final de uma
manhã de domingo, estudando para uma prova de química inorgânica
do segundo ano do ensino médio, quando senti uma dor esquisita. Até
hoje cumprimento a Maíra pelo oportuno da hora. Nunca mais precisei
fazer aquela prova. As dores foram aumentando e não pararam mais.
Até hoje não entendo aquela história dos intervalos que vão
encurtando progressivamente. Para mim, foi uma contração atrás da
outra, até às 11h43min do dia seguinte. Minha sensação era de que
alguém enfiava a mão dentro de mim e abria meus ossos. E eu era
obtusa demais para aprender a fazer respiração de cachorro. Não
esbocei um gemido. Tinha decidido há muito tempo não dar o gosto de
me ver sofrendo para ninguém. Só fechava os olhos quando a dor se
tornava impossível.
Quando chegou a hora, o médico, que
também era professor da faculdade de enfermagem, trouxe uma meia
dúzia de alunos para assistir ao espetáculo do parto natural. Sem
me perguntar, óbvio. Para quê? Eu era só uma paciente. Foi
bastante tranquilizador estar com as pernas abertas, na missão —
que ainda naquela hora me parecia impossível — de ajudar uma
criança a sair de dentro das minhas entranhas, diante de uma plateia
de estudantes universitários com alguns poucos anos mais do que eu.
Em seguida, o pediatra, que depois virou deputado, tropeçou no soro
e quase levou meu braço junto.
Mesmo que o mundo exterior fosse
inóspito, o pequeno alien nasceu. Era uma menina. Com uma cabeça em
formato de ovo, toda vermelha, e ainda assim linda. Nesse momento, me
senti uma deusa.
Depois, de novo bem humana, nós duas
fomos para casa. Eu olhava para ela. Ela olhava para mim. E nós duas
chorávamos. Era um bebê lindo, que eu começava a amar. Ao mesmo
tempo, ainda era uma espécie de alien. Dentro do meu cérebro — e
do meu coração — eu me perguntava: “Quem é esta?”. E depois:
“O que eu faço agora?”.
Algo profundo de mim não entendia quem
era aquele ser que até ontem estava dentro e de repente estava fora,
cheio de exigências. Então, fomos nos conhecendo, nos amando, e aí
começou uma outra história.
Parir outro ser é um ato de vida. Sempre
ouvimos e acreditamos nisso. E é verdade. Mas também é um ato de
morte. Quando damos à luz um filho, nunca mais seremos as mesmas.
Ter espaço para pensar, falar e lidar com essa morte simbólica é
importante para seguir a vida. E fazer dela algo que valha a pena.
Eliane Brum, in A menina quebrada
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