Exatamente
quando eu atravessava uma fase de involuntária meditação sobre a
inutilidade de minha pessoa, recebi uma carta assinada, mas só darei
as iniciais: “Cada vez que me encontro com a beleza de suas
contribuições literárias, vejo ainda mais fortalecida minha
intensa capacidade de amar, de me dar aos outros, de existir para meu
marido.” Assinada H. M.
Não
fiquei contente por você, H. M., falar na beleza de minhas
contribuições literárias. Primeiro porque a palavra beleza soa
como enfeite, e nunca me senti tão despojada da palavra beleza. A
expressão “contribuições literárias” também não adorei,
porque exatamente ando numa fase em que a palavra literatura me eriça
o pelo como o de um gato. Mas, H. M., como você me fez sentir útil
ao dizer-me que sua capacidade intensa de amar ainda se fortaleceu
mais. Então eu dei isso a você? Muito obrigada. Obrigada também
pela adolescente que já fui e que desejava ser útil às pessoas, ao
Brasil, à humanidade, e nem se encabulava de usar para si mesma
palavras tão imponentes.
Clarice
Lispector, in Crônicas para jovens: de escrita e vida
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