sábado, 7 de março de 2020

O poder de uma rabeca

A mulher do intendente-geral saiu de casa pela manhã para ir ao cabeleireiro, mas ao cabeleireiro ela não chegou.
A meio caminho viu o bando de crianças que dançava em torno de um mico, e o mico tocava rabeca. Ficou tão encantada com a alegria reinante que resolveu incorporar-se ao grupo, e lá permaneceu dançando. Dançando e cantando, como todos faziam.
Juntou gente na praça, e o inspetor de veículos, escandalizado, foi avisar ao intendente-geral que sua excelentíssima esposa tinha regredido à infância.
O marido correu ao local e, com severidade, chamou a mulher ao respeito das conveniências. Ela estendeu-lhe os braços, sorrindo e dizendo-lhe: “Vem”. Mas o intendente-geral não quis atendê-la e saiu furibundo, exclamando que daquele momento em diante não era mais casado.
O mico da rabeca, sempre tocando, afastou-se, e as crianças o foram seguindo. A mulher do intendente-geral, também. À proporção que caminhavam, ela ia ficando do tamanho das meninas, e quando sumiram na volta da estrada era uma criança igual às outras. Dançando e cantando.
Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis

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