domingo, 8 de março de 2020

Desejo e inteligência

As crianças gostam de aprender. O que não quer dizer que elas gostem das escolas. As escolas são, frequentemente, lugares onde elas são obrigadas a aprender, sob pena de punições, aquilo que elas não querem aprender. E aquilo que as escolas tentam ensinar contra a nossa vontade é rapidamente esquecido. Sabedoria de um velho ditado caipira: “É fácil levar a égua até o meio do ribeirão. O difícil é obrigar a égua a beber a água...”. Aprendemos o que desejamos aprender. É o desejo que desperta em nós a inteligência. O filósofo Aristóteles disse: “Todos os homens têm, naturalmente, o desejo de aprender”. Ele estava errado. Vou corrigi-lo: “Todos os homens, enquanto crianças, têm naturalmente o desejo de aprender...”. O que dá às crianças desejo de aprender? Primeiro, é a curiosidade. As crianças acham as coisas do mundo muito interessantes e querem saber por que elas são do jeito como são. Pra que serve isso? Pra nada. Apenas pelo prazer: matar a curiosidade. Depois elas querem aprender para adquirir competências. Ser capaz de fazer... A criança quer aprender a andar de bicicleta, a descascar laranja, a abrir a porta com a chave – para ter o delicioso sentimento: “Eu posso!”. É um sentimento de poder. E, por fim, elas querem aprender para brincar. Controlar a bola, armar quebra-cabeças, jogar damas... Adultos, continuam vivos em nós os mesmos impulsos que levam as crianças a aprender. A menos que os matemos.
Rubem Alves, in Ostra feliz não faz pérola

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