sexta-feira, 6 de março de 2020

Como vai, López?

Um senhor encontra um amigo e o cumprimenta, estendendo-lhe a mão e inclinando um pouco a cabeça.
Isto é, acha que o cumprimenta, mas o cumprimento já foi inventado e este bom homem não faz mais do que repeti-lo.
Chove. Um senhor se refugia debaixo de uma arcada, Esses senhores quase nunca sabem que acabam de escorregar por um tobogã pré-fabricado desde a primeira chuva e desde a primeira arcada. Um úmido tobogã de folhas murchas. E os gestos de amor, esse doce museu, essa galeria de figuras de fumaça. Console-se a sua vaidade: a mão de Antônio procurou o que sua mão procura, e nem aquela nem a sua procuravam nada que já não tivesse sido encontrado desde a eternidade. Mas as coisas invisíveis precisam encarnar-se, as ideias caem no chão como pombas mortas.
O verdadeiramente novo assusta ou deslumbra. Essas tuas sensações, igualmente perto do estômago, acompanham sempre a presença de Prometeu; o resto é o conforto, o que sempre sai mais ou menos bem; os verbos ativos contêm o repertório completo.
Hamlet não duvida: procura a solução autêntica e não as portas da casa ou os caminhos já percorridos por mais atalhos e encruzilhadas que eles proponham. Quer a tangente que destrói o mistério, a quinta folha do trevo. Entre sim e não, que infinita rosa-dos-ventos. Os príncipes da Dinamarca, esses falcões que preferem morrer de fome a comer carne morta.
Quando os sapatos apertam, é bom sinal. Alguma coisa muda aí, alguma coisa que nos mostra, que surdamente nos põe, nos suscita. Por isso é que os monstros são populares e os jornais se extasiam com os bezerros bicéfalos. Que oportunidade, que esboço de grande salto para a outra coisa! López vem chegando Como vai, López?
Como vai, cara?
E é assim como eles acham que estão se cumprimentando.
Júlio Cortázar, in Histórias de Cronópios e de Famas

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