terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Axelrod (da proporção)

E enquanto viver
Também depois, na luz
Ou num vazio fundo
Perguntarei: até quando?
Até que se desfaçam
As cordas do sentir.
Nunca até quando.

Significante, perolado, o todo dele estendido em jade lá no fundo, assim a si mesmo se via, ele via-se, humanoso, respirando historicidade, historiador composto, umas risadas hôhô estufadas como aquelas antigas lustrosas gravatas, via-se em ordem, os livros anotados, vermelho-cereja sobre os bolcheviques, pequenas cruzes verdes verticais amarelas nas brasilidades revolucionárias, sangue nenhum sob as palmeiras, sangue nenhum à vista, só no cimento dos quadrados, no centro das grades, no escuro das paredes, sangue em segredo, ah disso ele sabia, mas vivo, comprido, significante na sua austeridade era melhor calar o sangue em segredo, depois que tinha ele a ver com isso? A ver com os homens? homens num só ritmo, sangue sempre, ambições, as máscaras endurecidas sobre a cara, repetia curioso, curioso meus alunos a verdade é nil novi super terram, nada de novo, nada de novo professor Axelrod Silva? Nada, roda sempre cuspindo a mesma água, axial a história meus queridos, feixes duros partindo de um só eixo, intensíssima ordem, a luz batendo nos feixes e no eixo em diversificadas horas é que vos dá a ideia de que na história nada se repete, oh sim tudo, tudo é um só dente, uma só carne, uma garra grossa, um grossar indecomponível, um isso para sempre. Escavar o que, se o seu existir, o seu de fora, a ciência dos feitos, a dura história, grafias, todos esses acontecimentos possuíam a qualidade soberba das perobas, perenes, ele ouvira, os trens passarão por esses dormentes, meu filho, para sempre para sempre. Pra onde vão os trens meu pai? Para Mahal, Tamí, para Camirí, espaços no mapa, e depois o pai ria: também pra lugar algum meu filho, tu podes ir e ainda que se mova o trem tu não te moves de ti. Mover-se. Por que não? Agora em férias, no segundo semestre falaria das revoluções, de muitas, vermelhas verdes negras amarelas, enfoques adequados nem veementes nem solenes, enfoques despidos de adorno, o tom de voz nem oleoso nem vivaz, um sobretom doce–pardacento, o lenço nas lentes, tirando e pondo os óculos, já se via no segundo semestre tirando pondo vivo comprido significante repetindo: pois é sempre o isso meus queridos, cinco ou seis pensamenteando, folhetos folhetins afrescos, sussurro no casebre, na casinhola das ferramentas, no poço seco, e depois uma nítida vivosa sangueira, e em seguida o quê? um vertical de luzes cristalizado por um tempo, um limpar de lixões, alguns anos, e outra vez ideias, bandeirolas, tudo da cor conforme a cor de novos cinco ou seis.
Hilda Hilst, in Tu não te moves de ti

Nenhum comentário:

Postar um comentário