terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Religião e felicidade

É preciso não acreditar nos números da pesquisa. E isso porque as pessoas religiosas respondem de acordo com aquilo que sua ideologia religiosa as obriga a dizer. Perdão, Fernando Pessoa, pelo que vou fazer com os teus versos: “O religioso é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é gozo a dor que deveras sente...”. A religião dos pentecostais e evangélicos é uma religião que promete felicidade. Cristo dá paz àqueles que o têm no coração e resolve pelo milagre (a bênção!) os seus problemas. Se ele disser que não está feliz, ou a sua religião é falsa, não cumprindo o que promete, ou ele não tem Cristo no coração. A ideologia católica permite confessar-se infeliz, porque nosso mundo é mesmo um vale de lágrimas. Felicidade só no céu. O mesmo vale para os protestantes. Um dos seus hinos diz: “Não há dor que seja sem divino fim...”. E a ideologia espírita vê o sofrimento como instrumento do carma para promover a evolução. “Bendita a dor que me purifica a alma”, dizia a mulher espírita no sofrimento do seu câncer. Já os sem religião, por não estarem amarrados a uma ideologia que os obrigue, têm mais liberdade para reconhecer o sofrimento como sofrimento. Mas não sei se é vantajoso sofrer cientificamente. No sofrimento da dor eu não quero a realidade. Quero mesmo é a felicidade dentro de uma ampola.
Rubem Alves, in Do universo à jabuticaba

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