terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Emotiva

A Maria Helena engravidou, era o primeiro filho e ela ficou muito emotiva. O Raul descobriu isso um dia quando entrou na cozinha e a encontrou sentada na frente de uma torrada, chorando. Levou um susto:
O que foi?!
A Maria Helena nem podia falar.
Que foi, Maria Helena? Tá sentindo alguma coisa?
A Maria Helena soluçava. Sacudiu a cabeça. Apontou para a torrada e conseguiu dizer:
Essa torrada!
O que que tem a torrada?
Ela estava começando a se controlar.
Não tem nada. É que eu vi a torrada, assim, no prato...
E Maria Helena caiu de novo num choro convulsivo. Só muito depois pôde explicar que a torrada, daquele jeito, a deixara comovida.
Que jeito, Maria Helena?
Assim, no prato. Sozinha. Com as bordas queimadas, coitadinha. Sei lá, eu...
O choro não deixou Maria Helena terminar.
No outro dia foi uma nuvem. Maria Helena chamou o marido para ver pela janela. Uma nuvenzinha cor-de-rosa, no fim do dia. Tão... tão... E o Raul teve que amparar a mulher, que chorava de ganir contra o seu peito.
Passou todo mundo a esperar as crises emotivas da Maria Helena. O Raul telefonava para os amigos. Contava:
Desta vez foi aquele comercial da TV. Dos detergentes. Ela ficou com pena do que não lavava tão branco. Chorou a noite inteira!
Mas o cúmulo foi quando, numa reunião, o Almir mostrou o celular novo que tinha comprado, um pequenininho que cabia no bolso da camisa. A Maria Helena não aguentou. Tiveram que trazer água para acalmá-la. Ela repetia “Que coisa mais querida, que coisa mais querida”. E o pior é que sua emoção era contagiante. Já tinha mais gente com lágrimas nos olhos, enternecida, sem saber por quê, com o celularzinho do Almir. A reunião acabou.
O Raul não vê o dia de o bebê nascer.
Luís Fernando Veríssimo, in Amor veríssimo

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