quinta-feira, 26 de julho de 2018

Zorro na Zorra

Minha madrinha não usava culhoneira coisíssima nenhuma! Pára com isso, seus detratores infames! Chamar aquelas finíssimas cuecas samba-canção de culhoneiras é um ultraje à memória da coroa.
Me lembro como se fosse hoje! Os meninos brincando de pica-pau, espécie de beisebol caboclo, e o Clóvis Pau-Pequeno, que era bonitinho mas ordinário, não acertava uma.
Minha madrinha, que gostava profundamente de criança mimada com ar de debilóide, disse pro Clóvis:
- Desse jeito você não vai marcar ponto nunca, filho. O simpático menino entrou em suruba mental, estado que seria, com o passar do tempo, cada vez mais frequente:
- Ka’sóra faô, dinda? Tô munto suluba, munto suluba!
- Calma, querido! Em primeiro lugar, cachorra ou coisa parecida é a tua velha, tá? E pára com esse negoço de suluba. Com o bastão que você tem, sei não, mas acho melhor ficar fora dessas jogadas...
Clovinho voava:
- Batão? Batão? Munto suluba.
Minha madrinha, com toda a paciência, explicou pro aezinho:
- Cubatão é outra piada, filho. Ninguém aqui passou no cu batão. Só nos lábios... o que eu tô tentando te ensinar é que com esse pauzinho aí...
A verdade é que Dindinha tinha muitos inimigos. Quando chupava a espuma de cerveja aderida ao bigode, meus prezados, era pior que incêndio na capital paulista. Sei que fica meio escroto um afilhado dileto dizer que a madrinha ostentava bigodes, mas ela preferia assim. Uma vez, o Sardinha marchezou essa :
- Permita-me chamá-la também de madrinha! Sua dignidade floresce na razão direta do seu buço! Gente que brilha!
Dindinha entrou de peixinho no ovo esquerdo do Sardinha:
- Meu filho, tira essa boca mole do meu buço que eu to com corrimento. Vai babar a genitália de outro. Comigo, não. Gente que brilha é com o Dr. Paulo Roberto.Tu não tem gabarito. Vê se dá um tiro no coco.
Graças a esse estilo... hum... contundente, Waldyr Iapetec, em tarde de reminiscência, evocou-a entre suspiros:
- Emília era... era... era o general Figueiredo da Vila!
Na famosa crise de impotência do Lindauro, o “consolo” da coroa entrou com tudo:
- Isso passa, menino grande. O negoço é não desanimar e ir botando dobrado mesmo. Como disse aquele grande escritor: “Até os sinos dobram!”.
Deysinha, compenetrada (nem tanto) esposa do Lindauro, corrigiu, meio ressabiada:
- O certo é: “Por quem?”.
Minha madrinha não perdeu a ponta:
- Por quem é outro problema, filha. Eu ficaria caladinha sobre isso - pelo menos até endurecer, né? Às vezes, o que tá encolhido aqui, chega ali na esquina e desenrola na mão de outra com a maior facilidade, minha flor. A vida me ensinou que pinguelo é que nem fita métrica: cresce de acordo com o que vai medir. Lições de abismo...
Finíssima psicóloga, instrumentalizava (hi, hi, hi) segundo a particularidade de cada problema. Me lembro como se fosse hoje - lá vem bafo - de uma prima das Laranjeiras, a Angélica, fresca como ela só, diante do minucioso jardim de vó Noêmia:
- Quisera ser uma crisálida entre essas flores!
E Dindinha, bem esportiva:
- Não dá, querida. O time das crisálidas tá completo. Mas ainda tem vaga pra estrume...
Generosa Dindinha! Em todos atochava uma palavra de conforto, uma fornida gentileza, um gualibão retórico.
Nutria, com cremes e loções, a ilusão de ser “bem-conservada”. Não admitia papo sobre o assunto. Com a lógica meio caduca dos que têm medo do espelho, considerava a velhice perigosa não porque existisse de fato, mas por ser produto da imaginação de agitadores mais jovens. Andreazza puro, né? Num dos seus aniversários de casamento, o Dr. Cecílio, Presidente do Iapetec, bostejou:
- A senhora é um paradigma para todos nós: envelhecer como quem cruza as águas do Amazonas a vau!
Abram alas pra minha madrinha:
- Tua mãe também merece pára-choques: envelheceu e ainda usa anágua na Zona na maior cara-de-pau!
Sinto um gelado frêmito de saudade! (Errata: não é bem isso. Acontece que entornei a caipirinha nas calças).
A derradeira lembrança que tenho de Dindinha: sentada, muito ereta, por distração, numa travessa de cuscuz que minha vó colocara um instantinho sobre o assento da poltrona favorita de Dindinha. Foi na festa de batizado do Marcelinho, filho terrível do não menos terrível Walcyrzinho. O pagode corria animado, mas um tal de Dr. Hora resolveu ir atrás do trio elétrico:
- Eu acho importante a sobriedade mística. Pra pensar, viver, andar de patins. Digo sempre pra Sílvia, minha esposa: vamos abrir nosso relacionamento sexual. Gibran estava certo: somos o arco.
E tome falação. Ninguém aguentava mais. Desprestigiado, Dr. Hora, que fazia análise didática, resolveu se arrancar. Minha madrinha acenou alegremente pra ele:
- Tchau, Zorro!
- Hora, madame, Dr. Hora.
O Rio amanheceu cantando com a resposta merecida:
- Prefiro te chamar de Zorro. Afinal de contas tu é mascarado, só trepa na Sílvia fazendo escândalo, metido a sóbrio e chegado a um arco. Quem sabe da tua vida é o Tonto...
Aldir Blanc, in Brasil passado a sujo

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