Pensei:
a Irmã Mary Ethelbert adorava esta canção. Ela a tocava no órgão
quando eu estava no quarto ano. E está em um convento no Wyoming.
Reza por mim toda noite. Esta canção sempre me lembra dela. Neste
exato momento provavelmente está rezando por mim. E, Deus, que
paradoxo, toda vez que penso nela, penso em ir para a cama com ela. O
que Jurgen dizia? Agora a história se desenrola — não. Não é
isso. Sim. “Não há lembrança menos satisfatória do que a
lembrança de alguma tentação à qual resistimos.” Mas isso é um
pouco maldoso para com a Irmã Ethelbert. E ela reza por mim. E minha
mãe está em casa agora rezando por mim. E também padre Benson em
St. Louis e Paul Reinert e Dan Campbell. Por que deviam ser padres?
Se vissem os livros de E. Boyd Barrett, eles os queimariam, mas não
os leriam. Eu devia estar em casa lendo e escrevendo. Vou ter de
ficar acordado até tarde esta noite se desejo escrever setecentas
palavras. Tenho de escrever, escrever, escrever. Eu deveria ir para a
cama cedo. Os barcos de aço amanhã. Odeio o maldito do aço. Corta
minhas mãos em tiras. Que diabo. Eu devia me sentir com sorte por
ter um emprego. Sorte? Que diacho! Conceitos de bem e mal são apenas
meios para se atingir um fim. São expedientes para se adquirir
poder. É preciso ter coragem para fazer o que Nietzsche diz, mas,
por Deus, ele está certo, e eu vou fazê-lo. A Irmã Mary Ethelbert
era bonitinha. Achava que eu ia ser padre. Minha mãe também.
Somente nuas eu gostaria de vê-las, pois apenas a beleza ensinaria a
penitência. Mas o que ele quer dizer com isso? Não sei. Como aquele
garoto em Sherwood Anderson que dizia: “Eu não sei por que, mas
quero saber por que.” Anderson escreve como um velho fazendeiro de
músculos enrijecidos. Cabell escreve as belas frases, Oh, Cabell,
Oh, Jurgen, Jurgen. Um sujeito monstruosamente esperto. Certo. Pois é
o que a história conta. Hah, Jurgen. Só sou jovem uma vez. Agora,
por que diabos Nietzsche perseguiu aquela Salomé por toda a Europa?
Por que não? Ele só foi jovem uma vez. Eu ainda podia ser padre. Me
pergunto se vou clamar por um padre no meu leito de morte? Eu. Um
covarde? Não. Sou um sujeito monstruosamente esperto que devia estar
em casa agora, em vez de sentado aqui ouvindo esta canção. Preciso
escrever, escrever, escrever. A canção é bonita. Irmã Ethelbert
gostava dela.
John
Fante, in Um sujeito monstruosamente esperto
Nenhum comentário:
Postar um comentário