No
dia seguinte, ao modo concertado, fomos às casas do dito bonzo, por
nome Pomada, um ancião de cento e oito anos, muito lido e sabido nas
letras divinas e humanas, e grandemente aceito a toda aquela
gentilidade, e por isso mesmo malvisto de outros bonzos, que se
finavam de puro ciúme. E tendo ouvido o dito bonzo a Titané quem
éramos e o que queríamos, iniciou-nos primeiro com várias
cerimônias e bugiarias necessárias à recepção da doutrina, e só
depois dela é que alçou a voz para confiá-la e explicá-la.
—
Haveis de entender, começou ele, que a
virtude e o saber têm duas existências paralelas, uma no sujeito
que as possui, outra no espírito dos que o ouvem ou contemplam. Se
puserdes as mais sublimes virtudes e os mais profundos conhecimentos
em um sujeito solitário, remoto de todo contacto com outros homens,
é como se eles não existissem. Os frutos de uma laranjeira, se
ninguém os gostar, valem tanto como as urzes e plantas bravias, e,
se ninguém os vir, não valem nada; ou, por outras palavras mais
enérgicas, não há espetáculo sem espectador. Um dia, estando a
cuidar nestas coisas, considerei que, para o fim de alumiar um pouco
o entendimento, tinha consumido os meus longos anos, e, aliás, nada
chegaria a valer sem a existência de outros homens que me vissem e
honrassem; então cogitei se não haveria um modo de obter o mesmo
efeito, poupando tais trabalhos, e esse dia posso agora dizer que foi
o da regeneração dos homens, pois me deu a doutrina salvadora.
Neste
ponto, afiamos os ouvidos e ficamos pendurados da boca do bonzo, o
qual, como lhe dissesse Diogo Meireles que a língua da terra me não
era familiar, ia falando com grande pausa, porque eu nada perdesse. E
continuou dizendo: — Mal podeis adivinhar o que me deu ideia da
nova doutrina; foi nada menos que a pedra da lua, essa insigne pedra
tão luminosa que, posta no cabeço de uma montanha ou no píncaro de
uma torre, dá claridade a uma campina inteira, ainda a mais
dilatada. Uma tal pedra, com tais quilates de luz, não existiu
nunca, e ninguém jamais a viu; mas muita gente crê que existe e
mais de um dirá que a viu com os seus próprios olhos. Considerei o
caso, e entendi que, se uma coisa pode existir na opinião, sem
existir na realidade, e existir na realidade, sem existir na opinião,
a conclusão é que das duas existências paralelas a única
necessária é a da opinião, não a da realidade, que é apenas
conveniente. Tão depressa fiz este achado especulativo, como dei
graças a Deus do favor especial, e determinei-me a verificá-lo por
experiências; o que alcancei, em mais de um caso, que não relato,
por vos não tomar o tempo. Para compreender a eficácia do meu
sistema, basta advertir que os grilos não podem nascer do ar e das
folhas de coqueiro, na conjunção da lua nova, e por outro lado, o
princípio da vida futura não está em uma certa gota de sangue de
vaca; mas Patimau e Languru, varões astutos, com tal arte souberam
meter estas duas ideias no ânimo da multidão, que hoje desfrutam a
nomeada de grandes físicos e maiores filósofos, e têm consigo
pessoas capazes de dar a vida por eles.
Não
sabíamos em que maneira déssemos ao bonzo as mostras do nosso vivo
contentamento e admiração. Ele interrogou-nos ainda algum tempo,
compridamente, acerca da doutrina e dos fundamentos dela, e depois de
reconhecer que a entendíamos, incitou-nos a praticá-la, a
divulgá-la cautelosamente, não porque houvesse nada contrário às
leis divinas ou humanas, mas porque a má compreensão dela podia
daná-la e perdê-la em seus primeiros passos; enfim, despediu-se de
nós com a certeza (são palavras suas) de que abalávamos dali com a
verdadeira alma de pomadistas; denominação esta que, por se derivar
do nome dele, lhe era em extremo agradável.
Com
efeito, antes de cair a tarde, tínhamos os três combinado em pôr
por obra uma ideia tão judiciosa quão lucrativa, pois não é só
lucro o que se pode haver em moeda, senão também o que traz
consideração e louvor, que é outra e melhor espécie de moeda,
conquanto não dê para comprar damascos ou chaparias de ouro.
Combinamos, pois, à guisa de experiência, meter cada um de nós, no
ânimo da cidade Fuchéu, uma certa convicção, mediante a qual
houvéssemos os mesmos benefícios que desfrutavam Patimau e Languru;
mas, tão certo é que o homem não olvida o seu interesse, entendeu
Titané que lhe cumpria lucrar de duas maneiras, cobrando da
experiência ambas as moedas, isto é, vendendo também as suas
alparcas: ao que nos não opusemos, por nos parecer que nada tinha
isso com o essencial da doutrina.
Machado
de Assis, in O segredo do Bonzo
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