quarta-feira, 27 de setembro de 2017

A fidelidade

Ele chegou na praia numa terça-feira, que é um dia esquisito. Vieram do banho de mar e deram com o pai na varanda. “Ué”, observaram. Pouco depois chegou a mulher e também estranhou ele ali, numa terça e com aquela cara. Pensou no pior.
A mamãe!” Não, não, a mãe dela estava bem, tudo na cidade estava bem, ele sentira saudade, pegara o carro e viera para a praia. Só isso. Mais tarde, longe das crianças, disse a verdade:
- Me contaram que você tem um namorado.
A mulher deu uma gargalhada. Mas quem é que tinha contado tamanha bobagem?
- Me contaram - disse ele, vago. E acrescentou: - Um surfista.
- Eu, namorando um surfista?! A mulher não podia acreditar que ele tinha acreditado numa história daquelas. Logo ela! Ele foi dramático:
- Me preocupo com as crianças.
- Mas isso é uma loucura! Eu, namorando um garoto?
- Eu não falei na idade do surfista - disse ele, como se isto a incriminasse sem apelação.
Ela tentou brincar:
- Homem, aqui, só tem garoto, velho ou brigadiano.
Ele não riu. Estava resignado. Talvez merecesse a infidelidade dela. Mas se preocupava com as crianças. Ela o abraçou. Mas o que era aquilo? Depois de tantos anos de casado, aquela desconfiança? Nunca tinham desconfiado um do outro. Nunca.
Ela o afastou. Disse:
- Isso é coisa da Marjóri, não é? Aposto que é coisa da Marjóri. Não. Não era coisa da Marjóri. Um telefonema anônimo. Ele se esforçara para não dar importância ao telefonema. Se esforçara para não acreditar. Mas não resistira.
- Me desculpe...
Ela o abraçou de novo, emocionada. Fez ele jurar uma coisa:
- Nunca, mas nunca mais vamos desconfiar um do outro. Promete?
- Prometo.
Abraçaram-se e beijaram-se longamente, até uma das crianças vir mostrar o sapo que achara no banheiro.
- Você dorme aqui, hoje? - perguntou a mulher.
- Não. Tenho um compromisso na cidade amanhã cedo.
Voltou para Porto Alegre no fim da tarde. Seu compromisso era naquela noite mesmo, e ela se chamava Maitê. Com a história do telefonema anônimo tinha conseguido um habeas-corpus preventivo. Que diabo, pensou, com o mundo neste estado, aquele podia ser o último verão da sua vida. Mas não conseguiu nem encarar o guarda no pedágio.
Luís Fernando Veríssimo, in As mentiras que os homens contam

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