Minha
árvore ginecológica
me
transmitiu fidalguias,
gestos
marmorizáveis:
meu
pai, no dia do seu próprio casamento,
largou
minha mãe sozinha e foi pro baile.
Minha
mãe tinha um vestido só, mas
que
porte, que pernas, que meias de seda mereceu!
Meu
avô paterno negociava com tomates verdes,
não
deu certo. Derrubou mato pra fazer carvão,
até
o fim de sua vida, os poros pretos de cinza:
‘Não
me enterrem na Jaguara. Na Jaguara, não.’
Meu
avô materno teve um pequeno armazém,
uma
pedra no rim,
sentiu
cólica e frio em demasia,
no
cofre de pau guardava queijo e moedas.
Jamais
pensaram em escrever um livro.
Todos
extremamente pecadores, arrependidos
até
a pública confissão de seus pecados
que
um deles pronunciou como se fosse todos:
‘Todo
homem erra. Não adianta dizer eu
porque
eu. Todo homem erra.
Quem
não errou vai errar.’
Esta
sentença não lapidar, porque eivada
dos
soluços próprios da hora em que foi chorada,
permaneceu
inédita, até que eu,
cuja
mãe e avós morreram cedo,
de
parto, sem discursar,
a
transmitisse a meus futuros,
enormemente
admirada
de
uma dor tão alta,
de
uma dor tão funda,
de
uma dor tão bela,
entre
tomates verdes e carvão,
bolor
de queijo e cólica.
Adélia
Prado
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