domingo, 2 de novembro de 2014

Velório de um amigo

Morte, ontem de Vito Pentagna.
Há coisas que quero escrever aqui para que elas nunca mais me saiam da memória. O corpo do morto, no quarto de janelas fechadas, tendo sobre a cabeça uma única vela acesa: tão pálido, tão calmo, com o lenço amarrado sob o queixo. As mãos, tão belas, cruzadas sobre o peito. A viagem do carro fúnebre, à noite, em demanda da capela da Santa Casa.
O velório de apenas dois amigos (houve um momento, bastante longo, em que só eu fiquei ao lado dele...) durante a noite inteira. Ao amanhecer, minha ida, pelas ruas vazias, até o Mercado das Flores – e as violetas, úmidas, que depositei entre seus dedos...
Depois, a viagem. Horas e horas pelas estradas cheias de bruma, até Valença – e lá, aquele céu azul, aquela paz, aquela serenidade que eu já conhecia de momentos mais felizes... Durante a encomendação do corpo, não pude conter as lágrimas – e afinal, carregando o caixão até o cemitério onde ficou para sempre, tive a impressão que era um pouco de mim mesmo que lá ficava, encerrado naquele jazigo de ferro e de mármore.
Lúcio Cardoso, in Diários

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