“Não
sabemos distinguir as faculdades dos homens; têm eles divisórias e fronteiras
sutis e difíceis de discernir. Concluir da competência na vida privada uma qualquer
competência para os cargos públicos, é mal concluir: há quem se governe bem e
não governe bem os outros e quem faça Ensaios sem ser capaz de
realizar feitos; quem organize bem um cerco e mal uma batalha e quem fale bem
em privado e não o consiga fazer em público ou diante de um príncipe. E talvez
mesmo o ser alguém capaz numa das coisas mais que o contrário indicie que não o
é na outra. Acho que os espíritos elevados não muito menos aptos são para as
coisas inferiores que os inferiores para as elevadas. Seria de crer que
Sócrates tivesse dado aos atenienses motivo para se rirem à sua custa por ele
nunca haver sabido fazer a contagem dos sufrágios da sua tribo e participá-los
ao Conselho? Decerto, a veneração que tenho pelas qualidades desta personagem
justifica que a sua sorte proporcione um exemplo tão magnífico para desculpar
os meus principais defeitos.
A nossa capacidade está fragmentada em
pequenas parcelas. A minha não é extensa e ainda por cima é pouco variada.
Disse Saturnino aos que lhe tinham confiado o comando supremo: ‘Companheiros,
haveis perdido um bom capitão para dele fazer um mau general’”.
Michel
de Montaigne, in Ensaios - Da Vaidade
Nenhum comentário:
Postar um comentário