segunda-feira, 2 de abril de 2012

Sobre o homem como agente de cultura

"Se, por um lado, o homem cria cultura, esta, por sua vez, é criadora do homem, é condicionadora da vida do homem em sociedade. Ao nascer, o ser humano assemelha-se, em seu comportamento, ao dos irracionais: não conhece freio para seus ímpetos, ignora de todo em todo o comportamento social, isto é de sua sociedade. Por logo tirocínio de aprendizagem, no convívio com os membros mais velhos, aprende, penosamente a dominar seus impulsos, a ordenar seus desejos, a atualizar suas potencialidades.
Na medida em que incorpora as normas de sua sociedade, a criança se endocultura, ou, como querem outros, se encultura. O que quer dizer isto? Quer dizer que assimila, incorpora, absorve a maneira de pensar, agir e sentir, própria da cultura em que nasceu. É um lento ajustamento à vida social, regidas por costumes regados pela tradição. Por outra, o ajustamento é fruto de internalização dos princípios que regem determinada sociedade. Internalizando tais princípios e a eles se ajustando, na vida prática, plasma-se a imagem do homem requerido por esta ou aquela cultura.
Dupla consequência advém do que deixamos dito: em primeiro lugar, garante-se a estabilidade cultural, porque a internalização da cultura constitui um penhor de que o passado está sendo vivido no presente. Em segundo lugar, se há uma linha sem solução de continuidade, na transmissão da cultura, não é menos verdade existirem modificações, as quais como que se tecem sobre o fluxo contínuo de cultura que vem do mais recôndito dos tempos e ruma para o porvir.
Como se dá esse processo de modificação cultural? Pode verificar-se na própria sociedade, pelo surgimento de inventos ou porvir de fora, pelo difusionismo de novas ideias. A mudança cultural, evidentemente, nunca renova todos os aspectos de uma cultura. Para aferir se houve mudança ou não, é mister haja aspectos estáveis. Aqui se faz necessário advertir que a interferência dos civilizados nas culturas primitivas quase sempre é desintegradora, porque é demasiado súbita, inesperada e violenta.
Vêm, a propósito, neste momento, duas considerações, em torno da mudança cultural, que aclaram mais o já referido. De duas maneiras ela pode dar-se: a) por acumulação b) por substituição. Algumas palavras sobre cada uma delas. As invenções e descobertas, no âmbito da técnica, sucedem-se, dia-a-dia. Podem consistir em aperfeiçoamento do que já existe. Exemplifica-o a TV, a qual, de inicio, se apresentava em preto e branco e, depois, permitiu ver as imagens coloridas. A acumulação pode, ademais, consistir em inventos nunca dantes imaginados, como é o caso do computador, de mil e uma utilidades. Por ser aperfeiçoamento, supõe-se que algo já existente é base para o respectivo aperfeiçoamento. As vantagens auferidas de todos os engenhos, propostos pela tecnologia, são perceptíveis diretamente, são tangíveis e manipuláveis. Por mais rápidas que sejam as mudanças pelo processo cumulativo, o homem consegue adaptar-se a elas com bastante facilidade e presteza, porque não entra em jogo algo totalmente novo a ser enfrentado. Quando se trata de substituição, na mudança cultural, o problema é mais complexo. A substituição atinge, de pleno, valores e ideias. Substituição significa, por natureza abalar e destruir os fundamentos, desarraigar o pré-existente e, em lugar dele, implantar algo totalmente novo. São raras tais substituições. Cá e lá, no entanto, acontecem, como, por exemplo, na Filosofia e na Política."
Reinholdo Aloysio Ullman, in Antropologia Cultural

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