"Se,
por um lado, o homem cria cultura, esta, por sua vez, é criadora do homem, é
condicionadora da vida do homem em sociedade. Ao nascer, o ser humano
assemelha-se, em seu comportamento, ao dos irracionais: não conhece freio para
seus ímpetos, ignora de todo em todo o comportamento social, isto é de sua
sociedade. Por logo tirocínio de aprendizagem, no convívio com os membros mais
velhos, aprende, penosamente a dominar seus impulsos, a ordenar seus desejos, a
atualizar suas potencialidades.
Na
medida em que incorpora as normas de sua sociedade, a criança se endocultura,
ou, como querem outros, se encultura. O que quer dizer isto? Quer dizer que
assimila, incorpora, absorve a maneira de pensar, agir e sentir, própria da
cultura em que nasceu. É um lento ajustamento à vida social, regidas por
costumes regados pela tradição. Por outra, o ajustamento é fruto de
internalização dos princípios que regem determinada sociedade. Internalizando
tais princípios e a eles se ajustando, na vida prática, plasma-se a imagem do
homem requerido por esta ou aquela cultura.
Dupla
consequência advém do que deixamos dito: em primeiro lugar, garante-se a
estabilidade cultural, porque a internalização da cultura constitui um penhor
de que o passado está sendo vivido no presente. Em segundo lugar, se há uma
linha sem solução de continuidade, na transmissão da cultura, não é menos
verdade existirem modificações, as quais como que se tecem sobre o fluxo
contínuo de cultura que vem do mais recôndito dos tempos e ruma para o porvir.
Como
se dá esse processo de modificação cultural? Pode verificar-se na própria
sociedade, pelo surgimento de inventos ou porvir de fora, pelo difusionismo de
novas ideias. A mudança cultural, evidentemente, nunca renova todos os aspectos
de uma cultura. Para aferir se houve mudança ou não, é mister haja aspectos
estáveis. Aqui se faz necessário advertir que a interferência dos civilizados
nas culturas primitivas quase sempre é desintegradora, porque é demasiado
súbita, inesperada e violenta.
Vêm,
a propósito, neste momento, duas considerações, em torno da mudança cultural,
que aclaram mais o já referido. De duas maneiras ela pode dar-se: a) por
acumulação b) por substituição. Algumas palavras sobre cada uma delas. As
invenções e descobertas, no âmbito da técnica, sucedem-se, dia-a-dia. Podem
consistir em aperfeiçoamento do que já existe. Exemplifica-o a TV, a qual, de
inicio, se apresentava em preto e branco e, depois, permitiu ver as imagens
coloridas. A acumulação pode, ademais, consistir em inventos nunca dantes
imaginados, como é o caso do computador, de mil e uma utilidades. Por ser
aperfeiçoamento, supõe-se que algo já existente é base para o respectivo
aperfeiçoamento. As vantagens auferidas de todos os engenhos, propostos pela
tecnologia, são perceptíveis diretamente, são tangíveis e manipuláveis. Por
mais rápidas que sejam as mudanças pelo processo cumulativo, o homem consegue
adaptar-se a elas com bastante facilidade e presteza, porque não entra em jogo
algo totalmente novo a ser enfrentado. Quando se trata de substituição, na
mudança cultural, o problema é mais complexo. A substituição atinge, de pleno,
valores e ideias. Substituição significa, por natureza abalar e destruir os
fundamentos, desarraigar o pré-existente e, em lugar dele, implantar algo
totalmente novo. São raras tais substituições. Cá e lá, no entanto, acontecem,
como, por exemplo, na Filosofia e na Política."
Reinholdo Aloysio Ullman, in Antropologia
Cultural
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