segunda-feira, 23 de maio de 2011

Leitura

Era um quintal ensombrado, murado alto de pedras.
As macieiras tinham maçãs temporãs, a casca vermelha
de escuríssimo vinho, o gosto caprichado das coisas
fora do seu tempo desejadas.
Ao longo do muro eram talhas de barro. 
Eu comia maçãs, bebia a melhor água, sabendo
que lá fora o mundo havia parado de calor. 
Depois encontrei meu pai, que me fez festa
e não estava doente e nem tinha morrido, por isso ria,
os lábios de novo e a cara circulados de sangue,
caçava o que fazer pra gastar sua alegria:
onde está meu formão, minha vara de pescar,
cadê minha binga, meu vidro de café?
Eu sempre sonho que uma coisa gera, 
nunca nada está morto. 
O que não parece vivo, aduba. 
O que parece estático, espera.

Adélia Prado

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