Contam
que Lindaura, a recepcionista do analista de Bagé (segundo ele,
“mais eficiente que purgante de maná e japonês na roça”),
desenvolveu um método para separar os casos graves dos que são só
– como diz o analista de Bagé – “loucos de faceiros”.
Enquanto preenche a ficha, ela dá a cada paciente em potencial uma
cuia de chimarrão no formato de um seio. Depois vai anotando: “Quis
chupar a cuia em vez da bomba”, “Começou a gemer e acariciar a
cuia”, “Atirou contra a parede”, etc. Assim, quando recebe o
paciente, o analista de Bagé já sabe o que esperar. Mas nada
preparou o analista de Bagé para a entrada no seu consultório do
megalômano de Carazinho. o diálogo entre os dois já começou mal.
– Te
deita no divã.
– Não
deito.
– Te
deita, bagual!
– Não
deito!
– E
por que não deita?
– Em
primeiro lugar, porque só quem mandava em mim era o meu pai, que já
está no Grande Galpão do céu capando anjo pra fazer linguiça. Em
segundo lugar, que o analista aqui sou eu.
E
com isto o analista de Bagé derrubou o outro com um peitaço e o
segurou sobre o pelego do divã com um joelho na omoplata. Gritou:
– Diz
qual é teu problema!
– Não
digo pra qualquer um!
– Diz
senão te arranco esses bigodes dois a dois.
– Todos
dizem que eu tenho mania de ser melhor do que os outros, mas eu não
acredito neles.
– E
por que não?
– Porque
é tudo gente inferior.
O
analista de Bagé saiu de cima do outro, mas deixou o facão bem à
vista, para evitar incomodação. O outro continuou.
– Eu
tenho megalomania.
– Não
tem – disse o analista de Bagé, brabo. Sabia que era verdade, mas
não aguentava fanfarrão.
– Quer
saber mais do que eu?
– Sei
mais do que tu, teu irmão, tua mãe e teu pai, se fosse conhecido.
Nisso
o megalômano de Carazinho subiu em cima do divã, apontou um dedo
para o analista de Bagé e ameaçou: – Olha que eu te transformo em
pedra. O analista de Bagé abriu a camisa e ofereceu o peito: –
Pois transforma. Quero ver. Transforma! O outro mudou de tática.
Ergueu a mão como numa bênção e disse: – Eu te perdoo. Aí o
analista de Bagé avançou.
Na
sala de espera Lindaura esperou meia hora antes de entrar no
consultório.
Tinha
ordens do analista de Bagé sobre como agir de acor do com os sons
que ouvia. “Resfolego, não liga. Gemido, vai pra casa. Grito, te
prepara. Mobília quebrada, entra.” Decidiu entrar. Encontrou o
megalômano de Carazinho inconsciente embaixo do divã virado, com só
metade do bigode. Depois o analista de Bagé explicou:
– Doença
é uma coisa. Convencimento é outra.
O
outro era “metido a gran cosa”. Mas ele perdera mesmo a paciência
quando ouvira o outro dizer:
– Sou
o maior megalômano do mundo!
Aparecia
cada um.
Luís Fernando Veríssimo, em O Analista de Bagé

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