“Tudo
tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo
do céu”, diz o texto sagrado. O amor também tem os seus tempos, e
ele muda como mudam as estações.
Nos
países frios, a primavera é o tempo da pressa. Os bulbos, que por
meses haviam hibernado sob o gelo, repentinamente despertam do seu
sono, rompem da noite para o dia a camada de neve que os cobria e
exibem, sem o menor pudor, os seus órgãos sexuais coloridos e
perfumados, suas flores.
“Que
lindas...”, dizemos. Ignoramos que aquela é uma beleza apressada.
A primavera é curta. Outro inverno virá. É preciso espalhar o
sêmen com urgência, para garantir a continuidade da vida. Por isso
se exibem assim, em sua nudez colorida e perfumada, para atrair os
parceiros do amor.
Se
as plantas pensassem, teriam os mesmos pensamentos que têm os jovens
quando neles desperta o sexo, em todo o seu furor de realizar-se. É
só isto que importa: o coito. Passado o êxtase, vai-se o interesse,
fuma-se um cigarro, vira-se para o outro lado...
O
verão é o tempo em que a fúria reprodutiva já se esgotou. Tempo
maduro, tempo do trabalho, dos filhos, das rotinas domésticas. Os
mesmos olhos que se excitavam ao contemplar o corpo nu da pessoa
amada já não se excitam. Já não sorriem nem têm palavras
poéticas a dizer sobre ele. Há uma rotina sexual a ser cumprida.
Vai-se o encantamento, os olhos e as mãos se cansam da mesmice e
começam a procurar outros corpos, e vem a saudade da juventude que
já passou. Cumprido o ato, vem o silêncio.
O
outono é a estação de uma nova descoberta. Não há urgência.
Nenhuma obrigação. A natureza está tranquila. Na adolescência
qualquer mulher servia, porque o sexo era comandado pelas pressões
vulcânicas dos hormônios e pelos genitais. Agora o que excita é o
rosto da pessoa amada. O sexo deixa de ser movido pela bioquímica
que circula no sangue e passa a ser movido pela beleza. O amor se
torna uma experiência estética. E o que os amantes outonais mais
desejam não são os fogos de artifício do orgasmo, mas aquela voz
que diz: “como é bom que você exista...”.
O
outono é o tempo da tranquilidade. É bom estar juntos, de mãos
dadas, sem fazer nada. É bom acariciar o cabelo da amada... Esta é
a grande queixa das mulheres – que para os homens a intimidade é
sempre preparatória de uma transa. Talvez porque se sintam obrigados
a provar que ainda são homens. O que as mulheres desejam não é
prazer, é felicidade. O outono é o tempo do amor feliz.
O
Chico escreveu sobre esse tempo e lhe deu o nome de “tempo da
delicadeza”, na canção “Todo o sentimento”. “Preciso não
dormir até se consumar o tempo da gente...” Sim, preciso não
dormir, preciso não morrer, porque há muito amor ainda não
realizado. Vem-lhe então a memória do amor que, por descuido, não
se realizou, e vai em busca da sua recuperação: “Pretendo
descobrir no último momento um tempo que refaz o que desfez...”.
Esse
verso me comove de maneira especial. Pensando no meu desajeito, na
minha desatenção, vou me lembrando das coisas que derrubei, das
palavras que não ouvi, das flores que pisei. E dá uma vontade de
fazer o tempo voltar para poder refazer o que foi desfeito, para
recolher todo o sentimento e colocá-lo no corpo outra vez...
Aí
ele vai mansamente dizendo as palavras que o amor deve saber dizer,
palavras que só existem no “tempo da delicadeza”. “Prometo te
querer até o amor cair doente, doente...” Por isso, por causa
desse tempo misterioso, é preciso amar cuidadosamente com o olhar,
com os ouvidos, com a mão que tateia para não ferir... Enquanto há
tempo.
***
Lembrei-me
do amor de Florentino Ariza por Fermina Daza, de O amor nos tempos do
cólera. Tiveram de esperar 53 anos e passaram o resto da vida
navegando no rio da delicadeza...
Rubem Alves, em Cantos do Pássaro Encantado
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