quarta-feira, 1 de maio de 2024

trapos, garrafas, sacos

lembro
na minha infância o som
de:
TRAPOS! GARRAFAS! SACOS!”
TRAPOS! GARRAFAS! SACOS!”

foi durante a
Depressão
e você podia ouvir as
vozes
muito antes de avistar a
velha carroça
e o
velho
pangaré.

então você ouvia os
cascos
clop, clop, clop…

e então você avistava
o cavalo e a
carroça

e isso sempre parecia ocorrer
no dia
mais quente do
verão:
TRAPOS! GARRAFAS! SACOS!”
oh
aquele cavalo estava tão
cansado…
fios de saliva
branca
babando
sempre que o freio se enterrava
em sua
boca

ele puxava uma carga
intolerável
de
trapos, garrafas, sacos

vi seus olhos
imensos
em agonia
suas costelas
expostas

as moscas gordas
circulavam e pousavam sobre
falhas em seu
couro.

às vezes
um de nossos pais
gritava:
Ei! Por que você não
alimenta esse cavalo, seu
merda?!”

a resposta do homem era
sempre a
mesma:
TRAPOS! GARRAFAS! SACOS!”

o homem era
inacreditavelmente
sujo, barba por
fazer, vestindo um chapéu
de feltro manchado e
roto

ele
se sentava sobre
uma enorme pilha de
sacos
e
vez ou
outra
quando o cavalo parecia
vacilar
um passo

esse homem
sentava-lhe
o longo chicote…

o som era como o
disparo de um rifle

uma falange de moscas
se erguia
e o cavalo se
lançava para frente
renovado
os cascos resvalando e
escorregando no asfalto
quente
e então
tudo o que podíamos
ver
era a parte de trás da
carroça
e
o enorme monte de
trapos e garrafas
cobertos por
sacos
marrons

e
mais uma veza voz:
TRAPOS! GARRAFAS! SACOS!”

ele foio primeiro homem
que tive vontade de
matar

e
desde então
não houve
mais nenhum.

Charles Bukowski, in Miscelânea septuagenária: contos & poemas

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