quarta-feira, 1 de maio de 2024

A Contadora de Filmes | [17]


Agora, o que me causava inconvenientes – e dos grandes – eram os filmes com cenas de infidelidade conjugal. Aí, eu tinha de lançar mão de todo meu poder de fabulação e mudar o argumento, para não causar dor em meu pai.
Embora tivessem se passado uns bons pares de anos da fuga de mamãe, a ferida ainda sangrava, como ele dizia quando se embebedava.
Por isso, nós, além de não mencioná-la, tínhamos que evitar dizer ou fazer qualquer coisa que lhe trouxesse a lembrança dela; quando isso acontecia, o coitado acabava trancado no quarto, chorando amargamente em silêncio.
Como aconteceu no dia em que, depois de ver um filme espanhol, e para representar uma bailarina de flamenco, não me ocorreu nada melhor que pôr um dos vestidos que mamãe havia deixado em casa, um rendado, com bolinhas vermelhas, que ela gostava muito e que certamente não levou embora porque meu pai deve ter escondido.
Meu pai estava sempre escondendo aquele vestido, para que ela não usasse.
O vestido, que era perfeito para representar uma bailarina de flamenco, uma bailaora, com apenas um par de alfinetes pareceu ter sido feito sob medida para mim. Como acontecia com a maioria das meninas do deserto, embora eu ainda fosse fazer onze anos tinha o corpo demasiado desenvolvido para a minha idade.
Alguns homens diziam, com um brilho lúbrico no olhar, que o que fazia as meninas do deserto amadurecer antes do tempo era o salitre, não à toa elogiado em todas as latitudes como o melhor adubo natural do mundo.
Naquela noite, ao me ver com o vestido de mamãe, meu pai ficou lívido, jogou na parede o copo de vinho (o único que tinha sobrado em casa) e, cuspindo, me mandou tirá-lo.
A narração do filme foi suspensa e ele ficou três dias amuado no quarto, bebendo seu vinho numa caneca de porcelana.
Não deixou nem que o deitássemos na cama.
Toda noite, entre um ranger de parafusos oxidados, esticávamos os ossos de suas pernas para deitá-lo, e pela manhã os dobrávamos de novo para sentá-lo na poltrona.

Hernán Rivera Letelier, in A Contadora de Filmes

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