Agora,
o que me causava inconvenientes – e dos grandes – eram os filmes
com cenas de infidelidade conjugal. Aí, eu tinha de lançar mão de
todo meu poder de fabulação e mudar o argumento, para não causar
dor em meu pai.
Embora
tivessem se passado uns bons pares de anos da fuga de mamãe, a
ferida ainda sangrava, como ele dizia quando se embebedava.
Por
isso, nós, além de não mencioná-la, tínhamos que evitar dizer ou
fazer qualquer coisa que lhe trouxesse a lembrança dela; quando isso
acontecia, o coitado acabava trancado no quarto, chorando amargamente
em silêncio.
Como
aconteceu no dia em que, depois de ver um filme espanhol, e para
representar uma bailarina de flamenco, não me ocorreu nada melhor
que pôr um dos vestidos que mamãe havia deixado em casa, um
rendado, com bolinhas vermelhas, que ela gostava muito e que
certamente não levou embora porque meu pai deve ter escondido.
Meu
pai estava sempre escondendo aquele vestido, para que ela não
usasse.
O
vestido, que era perfeito para representar uma bailarina de flamenco,
uma bailaora, com apenas um par de alfinetes pareceu ter sido feito
sob medida para mim. Como acontecia com a maioria das meninas do
deserto, embora eu ainda fosse fazer onze anos tinha o corpo
demasiado desenvolvido para a minha idade.
Alguns
homens diziam, com um brilho lúbrico no olhar, que o que fazia as
meninas do deserto amadurecer antes do tempo era o salitre, não à
toa elogiado em todas as latitudes como o melhor adubo natural do
mundo.
Naquela
noite, ao me ver com o vestido de mamãe, meu pai ficou lívido,
jogou na parede o copo de vinho (o único que tinha sobrado em casa)
e, cuspindo, me mandou tirá-lo.
A
narração do filme foi suspensa e ele ficou três dias amuado no
quarto, bebendo seu vinho numa caneca de porcelana.
Não
deixou nem que o deitássemos na cama.
Toda
noite, entre um ranger de parafusos oxidados, esticávamos os ossos
de suas pernas para deitá-lo, e pela manhã os dobrávamos de novo
para sentá-lo na poltrona.
Hernán Rivera Letelier, in A Contadora de Filmes
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