E
agora sinto que, se alguma dama tem seguido estas páginas, fecha o
livro e não lê as restantes. Para ela extinguiu-se o interesse da
minha vida, que era o amor. Cinquenta anos! Não é ainda a
invalidez, mas já não é a frescura. Venham mais dez, e eu
entenderei o que um inglês dizia, entenderei que “coisa é não
achar já quem se lembre de meus pais, e de que modo me há de
encarar o próprio ESQUECIMENTO”.
Vai
em versaletes esse nome. OBLIVION! Justo é que se deem todas as
honras a um personagem tão desprezado e tão digno, conviva da
última hora, mas certo. Sabe-o a dama que luziu na aurora do atual
reinado, e mais dolorosamente a que ostentou suas graças em flor sob
o ministério Paraná, porque esta acha-se mais perto do triunfo, e
sente já que outras lhe tomaram o carro. Então, se é digna de si
mesma, não teima em espertar a lembrança morta ou expirante; não
busca no olhar de hoje a mesma saudação do olhar de ontem, quando
eram outros os que encetavam a marcha da vida, de alma alegre e pé
veloz. Tempora mutantur. E ela compreenderá que este
turbilhão é assim mesmo, leva as folhas do mato e o farrapos do
caminho, sem exceção nem piedade; e se tiver um pouco de filosofia,
não invejará, mas lastimará as que lhe tomaram o carro, porque
também elas hão de ser apeadas pelo estribeiro OBLIVION.
Espetáculo, cujo fim é divertir o planeta Saturno, que anda muito
aborrecido.
Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas
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