quarta-feira, 10 de abril de 2024

Os Nascimentos | 1533 – Cajamarca

Atahualpa

Um arco-íris negro atravessou o céu. O Inca Atahulpa não quis acreditar.
Nos dias da festa do sol, um condor caiu sem vida na Praça da Alegria. Atahualpa não quis acreditar.
Enviava à morte os mensageiros que traziam más notícias e com um golpe de machado cortou a cabeça do velho profeta que anunciou-lhe a desgraça. Fez queimar a casa do oráculo e as testemunhas da profecia foram passadas à faca.
Atahualpa mandou amarrar os oitenta filhos de seu irmão Huáscar nos postes do caminho e os abutres se fartaram de carne. As mulheres de Huáscar tingiram de sangue as águas do rio Andamarca. Huáscar, prisioneiro de Atahualpa, comeu merda humana e mijo de carneiro e teve como mulher uma pedra vestida. Depois Huáscar disse, e foi a última coisa que disse: Já o matarão como ele me mata. E Atahualpa não quis acreditar.
Quando seu palácio foi convertido em seu cárcere, não quis acreditar. Atahualpa, prisioneiro de Pizarro, disse: Sou o maior dos príncipes sobre a terra. O resgate encheu de ouro um quarto e de prata dois quartos. Os invasores fundiram até o berço de ouro onde Atahualpa havia escutado a primeira canção.
Sentado no trono de Atahualpa, Pizarro anunciou-lhe que tinha decidido confirmar sua sentença de morte. Atahualpa respondeu:
Não me digas essas bobagens.
Tampouco quer acreditar, agora, enquanto passo a passo sobe as escadarias, arrastando correntes, na luz leitosa da madrugada.
Logo a notícia se difundirá entre os incontáveis filhos da terra que devem obediência e tributo ao filho do sol. Em Quito chorarão a morte da sombra que protege: perplexos, extraviados, morta a memória, sozinhos. Em Cuzco haverá júbilo e bebedeiras..
Atahualpa está atado pelas mãos, pés e pescoço, mas ainda pensa: Que fiz eu para merecer a morte?
Aos pés do patíbulo, se nega a acreditar que foi derrotado pelos homens. Somente os deuses poderiam. Seu pai, o sol, o traiu.
Antes que o torniquete de ferro rompa sua nuca, chora, beija a cruz e aceita que o batizem com outro nome. Dizendo chamar-se Francisco, que é o nome de seu vencedor, bate nas portas do Paraíso dos europeus, onde não há lugar reservado para ele.

Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

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