sábado, 13 de abril de 2024

Cartas

[Para Douglas Blazek]
25 de agosto de 1965

[...] escrevi ao Henry Miller outro dia pra arrancar 15 pratas de um patrocinador dele que prometeu o mesmo se eu enviasse ao Henry mais 3 Crucifixos. eu vendo barato ao Stuart e dá pra comprar uísque e apostar nuns cavalos. tipo eu tenho uma conta de conserto do freio de $70. o carro não vale isso. de todo modo, eu estava bêbado e inferi que Henry podia sacudir seu patrocinador em sua árvore de dinheiro. os 15 chegaram de uma fonte hoje e a carta de Miller de outra: citação parcial: “Espero que você não esteja bebendo até a morte! e especialmente que não fique bebendo enquanto escreve. É um jeito certeiro de matar a fonte da inspiração. Beba só quando estiver feliz, se puder. Nunca para afogar suas mágoas. E nunca beba sozinho!” claro que eu não engulo nada disso. eu não me preocupo com a inspiração. quando a escrita morre, ela morre; foda-se. eu bebo pra tocar em frente um outro dia. e descobri que a melhor maneira de beber é beber SOZINHO. mesmo com esposa e criança em volta, bebo sozinho. lata após lata misturada com meio litro ou um quarto de litro. e eu me estico de parede a parede na luz, sinto como se eu fosse todo cheio de carne e laranjas e sóis ardentes, e o rádio toca e talvez eu mande ver na máquina e olho embaixo o oleado rasgado e manchado de tinta na mesa da cozinha, uma mesa de cozinha no inferno; uma vida, não uma estação no inferno; o fedor de tudo, eu envelhecendo; pessoas se transformando em verrugas; tudo indo, afundando, 2 botões na camisa faltando, barriga em desenvolvimento; dias de bordoadas obtusas e árduas à frente – horas correndo à toa com as cabeças cortadas, e eu levanto a bebida, boto a bebida pra dentro, a única coisa a fazer, e Miller pede que eu me preocupe com a fonte da INSPIRAÇÃO? não consigo olhar para nada, realmente olhar para qualquer coisa sem querer me rasgar no meio. beber é uma forma temporária de suicídio em que sou autorizado a me matar e depois voltar à vida outra vez. beber é só um pouco de cola para segurar meus braços e minhas pernas e meu pau e minha cabeça e o resto. escrever é só uma folha de papel; eu sou algo que anda pra lá e pra cá e olha pela janela. Amém.

Charles Bukowski, in Sobre bêbados e bebidas

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