segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Memórias Póstumas de Brás Cubas

Capítulo 114 | Fim de um Diálogo

Sim, é amanhã. Você vai a bordo?
Está doida? É impossível.
Então, adeus!
Adeus!
Não se esqueça de Dona Plácida. Vá vê-la algumas vezes. Coitada! Foi ontem despedir-se de nós; chorou muito, disse que eu não a veria mais... É uma boa criatura, não é?
Certamente.
Se tivermos de escrever, ela receberá as cartas. Agora até daqui a...
Talvez dois anos?
Qual! ele diz que só até fazer as eleições.
Sim? então até breve. Olhe que estão olhando para nós.
Quem?
Ali do sofá. Separemo-nos.
Custa-me muito.
Mas é preciso; adeus, Virgília!
Até breve. Adeus!

Capítulo 115 | O Almoço

Não a vi partir; mas à hora marcada senti alguma coisa que não era dor nem prazer, uma coisa mista, alívio e saudade, tudo misturado, em iguais doses. Não se irrite o leitor com esta confissão. Eu bem sei que, para titilar-lhe os nervos da fantasia, devia padecer um grande desespero, derramar algumas lágrimas, e não almoçar. Seria romanesco; mas não seria biográfico. A realidade pura é que eu almocei, como nos demais dias, acudindo ao coração com as lembranças da minha aventura, e ao estômago com os acepipes de M. Prudhon...
...Velhos do meu tempo, lembrai-vos desse mestre cozinhei-ro do hotel Pharoux, um sujeito que, segundo dizia o dono da casa, havia servido nos famosos Véry e Véfour, de Paris, e mais nos palácios do Conde Molé e do Duque de la Rochefoucauld?
Era insigne. Entrou no Rio de janeiro com a polca... A polca, M. Prudhon, o Tivoli, o baile dos estrangeiros, o Cassino, eis algumas das melhores recordações daquele tempo; mas sobretudo os acepipes do mestre eram deliciosos.
Eram, e naquela manhã parece que o diabo do homem adivinhara a nossa catástrofe. jamais o engenho e a arte lhe foram tão propícios. Que requinte de temperos! que ternura de carnes! que rebuscado de formas! Comia-se com a boca, com os olhos, com o nariz. Não guardei a conta desse dia; do contrário, é mui provável que a deixasse nestas páginas; sei que foi cara. Ai dor! era-me preciso enterrar magnificamente os meus amores. Eles lá iam, mar em fora, no espaço e no tempo, e eu ficava-me ali numa ponta de mesa, com os meus quarenta e tantos anos, tão vadios e tão vazios; ficava-me para os não ver nunca mais, porque ela poderia tomar e tomou, mas o eflúvio da manhã quem é que o pediu ao crepúsculo da tarde?

Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas

Nenhum comentário:

Postar um comentário