Para
Penélope, tudo ia bem.
Os
anos chegavam e partiam.
Já
fazia tempo que ela saíra do acampamento, e na época morava sozinha
em um apartamento térreo na rua Pepper. Pimenta. Ela adorava aquele
nome.
Além
disso, trabalhava com outras mulheres: uma Stella, uma Marion, uma
Lynn.
Elas
formavam duplas alternadas e faziam faxinas por toda a cidade. É
claro que Penélope já economizava para comprar um piano usado,
aguardando o momento da aquisição com paciência. Em seu
apartamento pequenino na rua Pepper, ela guardava o dinheiro em uma
caixa de sapatos embaixo da cama.
Também
continuava travando sua batalha para domar a língua inglesa e sentia
que a cada noite chegava mais perto do objetivo. Suas ambições de
ler, de cabo a rabo, tanto a Ilíada quanto a Odisseia começavam a
ganhar contornos reais. Ela varava noites e noites sentada na
cozinha, com o dicionário ao lado. Não raro, era assim que caía no
sono, com a cara amassada e marcada pelas páginas; era seu Everest
diário, os ossos do ofício de imigrante.
Não
poderia ser mais típico, ou mais perfeito.
Afinal
de contas, estamos falando de Penélope.
Quando
enfim o evento se abateu sobre ela, o mundo inteiro desmoronou aos
seus pés.
***
Era
como nos dois livros.
Sempre
que uma guerra estava prestes a ser vencida, um deus se punha no
caminho. Naquele caso, foi a obliteração:
Uma
carta chegou.
Informava
que ele tinha morrido; ao ar livre.
Seu
corpo foi encontrado ao lado de um banco de parque velho.
Aparentemente, estava perto dos balanços, o rosto coberto por um
pouco de neve, o punho cerrado enterrado no peito. Não era um gesto
patriótico.
A
data do enterro precedia à da carta.
Tudo
muito discreto.
Ele
havia morrido.
***
Naquela
tarde, o sol iluminava a cozinha, e, quando ela largou a
correspondência, a carta flutuou no ar, como um pêndulo de papel, e
foi parar sob a geladeira. Ela passou vários minutos de quatro,
enfiando a mão no vão, tentando recuperá-la.
Meu
Deus, Penny.
Lá
estava você.
Lá
estava você, arranhando e esticando os joelhos no chão, com a mesa
abarrotada de livros logo atrás. Lá estava você, com os olhos
turvos e o peito pesaroso, o rosto colado no chão — a bochecha e a
orelha —, as costas magras voltadas para cima.
Graças
a Deus você fez o que fez em seguida.
Nós
amamos o que você fez em seguida.
Markus Zusak, in O construtor de pontes
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