terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Hollywood | 32


Fomos ao outro set, na Rua Alvarado, uma semana depois, numa segunda-feira. Estacionamos algumas quadras distante e andamos até lá. Quando nos aproximávamos, vimos que havia alguma atividade em torno do Rolls Royce de Jack Bledsoe.
Estão fazendo algumas tomadas – disse Sarah.
Lá estava Jack Bledsoe de pé sobre o capô do Rolls, tendo consigo dois de seus colegas motoqueiros. Os flashes espocavam, os motoqueiros riam, Bledsoe sorria, e passevam sobre o capô com suas botas pesadas, mudando de posição para outras fotos.
Não creio que isso seja muito bom pra capota – disse Sara.
Aí eu vi Jon Pinchot. Ele se aproximava de nós. Tinha um sorriso cansado no rosto.
Que diabos está acontecendo aqui, Jon?
Precisamos manter as crianças felizes.
Ouviu-se um berro de um dos motoqueiros. Todos saltaram da capota para o chão. As fotos haviam acabado. Eles se afastaram, rindo e conversando.
Veja aqueles amassos na capota – disse Jon.
Por toda parte. Será que eles não viram?
Não querem nem saber. Vivem, sem saber.
Pobre carro lindo – disse Sarah.
(Depois, ia custar 6.600 dólares tirar os amassos da capota e repintá-la.)
Você conversou com o advogado na festa, não foi, Hank?
Foi.
Que foi que ele disse?
Disse que nossos cheques estavam no correio.
É verdade. Eu recebi e depositei em minha conta.
Abriu a carteira. Tirou-os. Eram dois. Um carimbo estampado na frente de cada um dizia: Insuficiência de Fundos.
São de um banco da Holanda. Borracha.
Eu não acredito – eu disse.
Por quê? – perguntou Sarah. – Por que a Firepower está fazendo isso?
Não sei. Eu dei uma prensa em Friedman hoje de manhã. Ele afirmou que os cheques eram bons, que o contador tinha depositado fundos na conta errada, e que assim que os fundos fossem transferidos os cheques seriam bons. Eu disse a ele: “Estes são de um banco holandês. Nenhum banco daqui tocará neles com esse carimbo. Você deve mandar fazer novos cheques”. Friedman disse: “Não, não posso fazer isto sozinho. Preciso esperar que meu contador acerte tudo.”
Eu não acredito – eu disse.
Eu disse a Friedman: “Tudo bem, chame seu contador aqui”. E ele disse: “Meu contador está no leito de morte da mãe dele em Chicago. Ela está morrendo de câncer”. E se recostou na poltrona e olhou pela janela.
– “Sr. Friedman”, eu disse, “isso não é direito.”
E que disse aquele monstro? – perguntou Sarah.
Ele me olhou com aqueles inocentes olhos azuis e disse: “Lembre, rapaz, ninguém mais nesta cidade quis esse filme. Cuspiram nele. Riram dele. Nós aceitamos ele, lembre-se disso. Trabalhe conosco, queridinho, e vai ficar numa boa.”
E que foi que você fez?
Sarah, Hank, agora venham comigo – disse Jon. – Estamos preparando a cena da banheira. Lembra?
Sim, é claro. Vai continuar, sem receber?
Encaminhamo-nos para o set.
A cena da banheira vai ser uma bela cena. Gosto dela – disse Jon.
É – eu disse –, tudo bem.
Jon continuou sua história.
De qualquer modo, depois de falar com Friedman, eu contornei a quadra. Dei duas voltas na quadra olhando aquele prédio verde da Firepower. E aí, finalmente, fiquei cheio. Voltei ao escritório de Friedman... Perdão, Hank, fique atrás de mim enquanto me sento na cadeira...
Hum?
Um fotógrafo esperava, parado. Jon sentou-se na cadeira.
Está atrás de mim?
Estou.
Agora dê aquele seu sorriso falso.
Eu dei.
O flash espocou.
Outra – disse Jon.
O flash tornou a espocar.
Ótimo. É isso aí.
Jon levantou-se.
Me acompanhe. Estamos rodando lá em cima...
Começamos a subir a escada.
Friedman e Fischman fizeram uma foto exatamente igual a essa na semana passada, Friedman na cadeira, Fischman de pé atrás, os dois sorrindo. A foto apareceu num anúncio de página inteira no Variety. E embaixo as palavras: A FIREPOWER VENCERÁ!
Foi?
Espere. Pare aí. Me deixe contar o resto antes de entrarmos no set.
Tudo bem.
Ficamos ali parados no alto da escada. A filmagem seria no corredor.
Eu voltei ao escritório dele. Disse a Friedman que tinha visto o anúncio no Variety. Disse que você e eu íamos pôr um anúncio na próxima semana. Você e eu na mesma pose. E embaixo sairia também uma reprodução dos dois cheques devolvidos, com a legenda: A FIREPOWER VENCERÁ, MAS COMO? Disse que se a gente não recebesse dois cheques visados dentro de 48 horas, esse anúncio ia aparecer.
Um homem extremamente alto estava parado no fim do corredor. Era o assistente de direção de Jon, Marsh Edwards.
Estamos prontos pra rodar, Jon. Tudo pronto.
Espere... Já vou lá...
Não pode nos contar depois? – perguntou Sarah.
Não, quero concluir. Aí eu disse a Friedman: “Por outro lado, se a gente receber os cheques visados dentro de 48 horas, ainda podemos publicar o anúncio, sem os cheques holandeses, e a legenda dirá: FIREPOWER, NÓS A AJUDAREMOS A VENCER!
Que foi que ele disse? – perguntei.
Não disse nada por um tempo. Depois, disse: “Tudo bem, vocês vão receber seus cheques”.
Mas aquelas fotos que você acaba de fazer mostram nós dois com grandes sorrisos falsos. Não precisamos de fotos pro anúncio de FIREPOWER, NÓS A AJUDAREMOS A VENCER!?
Se a gente receber os cheques – disse Jon –, esquece o anúncio. Um anúncio desses custa dois mil dólares.
Com isso, percorremos o corredor, para filmar a cena da banheira.

Charles Bukowski, in Hollywood

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