Cotrim
tirou-me daquele gozo, levando-me à janela. – Você quer que lhe
diga uma coisa? perguntou ele; – não faça essa viagem; é
insensata, é perigosa.
– Por
quê?
Você
bem sabe porque, tornou ele: é, sobretudo, perigosa, muito perigosa.
Aqui na corte, um caso desses perde-se na multidão da gente e dos
interesses; mas na província muda de figura; e tratando-se de
personagens políticos, é realmente insensatez. As gazetas de
oposição, logo que farejarem o negócio, passam a imprimi-lo com
todas as letras, e aí virão as chufas, os remoques, as alcunhas...
– Mas
não entendo...
– Entende,
entende. Em verdade, seria bem pouco amigo nosso, se me negasse o que
toda a gente sabe. Eu sei disso há longos meses. Repito, não faça
semelhante viagem; suporte a ausência, que é melhor, e evite algum
grande escândalo e maior desgosto...
Disse
isto, e foi para dentro. Eu deixei-me estar com os olhos no lampião
da esquina, – um antigo lampião de azeite,– triste, obscuro e
recurvado, como um ponto de interrogação. Que me cumpria fazer? Era
o caso de Hamlet: ou dobrar-me à fortuna, ou lutar com ela e
subjugá-la. Por outros termos: embarcar ou não embarcar. Esta era a
questão. O lampião não me dizia nada. As palavras do Cotrim
ressoavam-me aos ouvidos da memória, de um modo mui diverso do das
palavras do Garcez. Talvez Cotrim tivesse razão; mas podia eu
separar-me de Virgília?
Sabina
veio ter comigo, e perguntou-me em que estava pensando. Respondi que
em coisa nenhuma, que tinha sono e ia para casa. Sabina esteve um
instante calada. -O que você precisa, sei eu; é uma noiva. Deixe,
que eu ainda arranjo uma noiva para você. Saí de lá opresso,
desorientado. Tudo pronto para embarcar, -espírito e coração,- e
eis aí me surge esse porteiro das conveniências, que me pede o
cartão de ingresso. Dei ao diabo as conveniências, e com elas a
constituição, o corpo legislativo, o ministério, tudo.
No
dia seguinte, abro uma folha política e leio a notícia de que, por
decreto de 13, tínhamos sido nomeados presidente e secretário da
província de *** o Lobo Neves e eu. Escrevi imediatamente a
Virgília, e segui duas horas depois para a Gamboa. Coitada de Dona
Plácida! Estava cada vez mais aflita; perguntou-me se esqueceríamos
a nossa velha, se a ausência era grande e se a província ficava
longe. Consolei-a; mas eu próprio precisava de consolações; a
objeção do Cotrim afligia-me. Virgília chegou daí a pouco, lépida
como uma andorinha; mas, ao ver-me triste, ficou muito séria.
– Que
aconteceu?
–Vacilo,
disse eu; não sei se devo aceitar...
– Virgília
deixou-se cair, no canapé, a rir. -Por quê? disse ela.
–Não
é conveniente, dá muito na vista...
–Mas
nós já não vamos.
–Como
assim?
Contou-me
que o marido ia recusar a nomeação, e por motivo que só lhe disse,
a ela, pedindo-lhe o maior segredo; não podia confessá-lo a ninguém
mais. – É pueril, observou ele, é ridículo; mas em suma, é um
motivo poderoso para mim. Referiu-lhe que o decreto trazia a data de
13, e que esse número significava para ele uma recordação fúnebre.
O pai morreu num dia 13, treze dias depois de um jantar em que havia
treze pessoas. A casa em que morrera a mãe tinha o nº 13. Et
coetera. Era um algarismo fatídico. Não podia alegar semelhante
coisa ao ministro; dir-ia que tinha razões particulares para não
aceitar. Eu fiquei como há de estar o leitor, – um pouco
assombrado com esse sacrifício a um número; mas, sendo ele
ambicioso, o sacrifício devia ser sincero…
Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas
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