terça-feira, 18 de julho de 2023

Sonho meu | Ivone Lara e Délcio Carvalho, 1979


Como conta Maria Bethânia, é uma história que tem algo de sonho, mas aconteceu. Em 1978, buscando canções para seu novo disco, conheceu Dona Ivone Lara na casa da violonista Rosinha de Valença, em Copacabana. Na saída, já caminhando para a porta, depois de ter mostrado alguns de seus sambas inéditos, Ivone Lara cantarolou uma pequena melodia que atraiu a atenção da baiana.
Já então lendária compositora, primeira mulher a ser aceita na ala de compositores de uma escola de samba (Império Serrano), explicou que aquele era apenas um trecho, só tinha seus versos iniciais, o refrão “Sonho meu, sonho meu / Vai buscar quem mora longe, sonho meu”. Bethânia ficou encantada.
No mesmo dia, assim que chegou em casa, Dona Ivone (1922) ligou para o parceiro Délcio Carvalho (1939-2013) e o chamou para completar o samba que iria se tornar um dos maiores sucessos daquele ano. Gravado semanas depois, num dueto com Gal Costa, “Sonho meu” brilhou no álbum Álibi e logo caiu na boca do povo, como um samba romântico e apaixonado, mas que tem na letra também um viés político, em referência cifrada aos muitos exilados que só puderam voltar ao Brasil após a Lei da Anistia, promulgada em agosto de 1979. Desde então, “Sonho meu” tem sido um número obrigatório no repertório de Bethânia, vive nas paradas sentimentais de muita gente e nas vozes de centenas de intérpretes mundo afora.
O sucesso também abriu as portas para Dona Ivone, que havia se aposentado como enfermeira – especializada em terapia ocupacional, por muitos anos, da equipe da doutora Nise da Silveira, a pioneira no uso da arte no tratamento psiquiátrico. Graças a “Sonho meu”, assinou um contrato para gravar seu primeiro disco solo, Samba, minha verdade, minha raiz e pôde se dedicar de corpo e alma à carreira de compositora. Outro sonho que virou realidade.

Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil

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