Roberta
Cunha, ao ser convidada para o réveillon na casa de sua amiga
Luciana Picoli, respondeu que festa de fim de ano era pior que baile
de debutante. Mas Luciana garantiu que não seria permitido a ninguém
ir de branco, não haveria queima de fogos, não seria servido
Prosecco e antes da chegada da meia-noite não entoariam o coro
“cinco! quatro! três! dois! um!” seguido de gritadas e abraços
etílicos.
“Não
vou fazer a festa no apartamento da Vieira Souto, corremos o risco de
alguém sugerir um congraçamento com a rafameia supersticiosa na
areia da praia infestada por macumbeiros, que chegam aos magotes da
Baixada, em ônibus especiais. Vamos nos reunir na minha casa de
Araras. Se te der uma daquelas crises, pode ir embora que eu não
fico triste. Você precisa sair mais, uma mulher linda como você,
sempre enfurnada dentro de casa.”
“Em
Araras?”
“Você
já foi lá, bem no alto, no meio da floresta. Quer um mapinha para
te orientar?”
“Sei
onde é, mas me dá o mapa, é um caminho complicado, não quero me
perder.”
Ficar
sozinha em casa no último dia do ano, por algum motivo, sempre
deixava Roberta Cunha infeliz. A solidão de sua vida a incomodava,
mas todos os homens lhe causavam uma espécie de aversão e suas
amigas eram umas idiotas fúteis. Nada esperava da festa da Luciana,
a não ser passar algumas horas que a distraíssem um pouco. E se
isso não fosse possível, o que provavelmente ocorreria, ela sairia
à francesa, na hora em que o tédio a dominasse.
Apesar
de ter o mapa para se orientar, Roberta Cunha se perdeu várias vezes
pelo caminho. Afinal conseguiu chegar, arrependida de ter ido.
“Eu
talvez saia mais cedo, coloque o meu carro numa posição favorável”,
disse ao manobrista.
Luciana
Picoli recebeu-a com um abraço apertado. Roberta gostava de Luciana,
não obstante ela fosse tão frívola quanto as suas outras amigas.
“Creio
que você conhece muitas das pessoas que estão aqui. Qualquer coisa
que precisar, me fala.”
Havia
vários homens solteiros e atraentes na festa, mas Luciana não se
atreveu a apresentá-los a Roberta. Certa ocasião, ao tentar fazer
algo parecido, Roberta, irritada, a chamara de alcoviteira.
Garçons
serviam bebidas e iguarias. Mais tarde seria servido um bufê quente.
Roberta, com uma taça de vinho tinto na mão, ficou observando os
convivas. As mulheres eram magras, elegantes, as mais jovens exibindo
os abdomes nus esculpidos nas academias de ginástica, alguns
enfeitados com piercings de ouro ou platina, incrustados com pequenas
pedras preciosas. A forma física dos homens não era tão boa,
ganhar dinheiro e ser rico bastava para satisfazer-lhes a vaidade.
Roberta observou como as pessoas se sentavam, conversavam, bebiam e
falavam umas com as outras, exalando consumismo e sucesso. Não se
aproximou para ouvir o que diziam, certamente novidades veiculadas
pelos jornais e pela televisão a cabo. Aquele tipo de gente lhe
causava uma forte antipatia. Estava na hora de ir embora.
Começou
a sua retirada estratégica indo até uma das varandas da casa,
fingindo que observava a floresta escura. Era assim que ela fugia das
festas, evitando ser notada durante algum tempo, antes de sair
dissimuladamente.
“Você
gosta da escuridão?”
Um
homem surgiu ao seu lado fumando um charuto.
“O
quê?”
“O
fumo do charuto a incomoda?”
“Não,
meu pai fumava charuto.”
“Tem
gente que não gosta da fragrância do charuto. Por isso vim fumar
aqui nesta varanda isolada. Como não há nada para ver desta varanda
escura, ninguém vem aqui. Você contemplava a escuridão. Era isso
que você estava procurando? Notei, lá dentro, que você procurava
alguma coisa.”
“Procurava
uma maneira de ir embora sem ser notada.”
“Você
procurava outra coisa.”
“Mas
não era nenhuma escuridão.”
“A
escuridão é uma forma de encontrar a lucidez. Mas é difícil
encontrá-la.”
“A
lucidez?”
“A
escuridão. Já fui para o meio da floresta fugindo da luz da cidade,
mas não consegui encontrar a verdadeira treva. Descia do céu, por
entre a copa das árvores, mesmo nas noites nubladas ou chuvosas, uma
palescência, um chiaroscuro de percepções distorcidas, um banquete
de visões fantasmagóricas para imaginações primitivas. Ver para
crer, crer para ver, sempre a mesma ilusão. Esqueci de falar dos
mosquitos e dos pirilampos da floresta, que pungiam minha pele e
minhas retinas. Deixei a floresta para os insetos e voltei para minha
casa.”
“Você
fugiu de algum hospício?”
“Ainda
não fui internado. Internar um advogado num hospício não é uma
tarefa fácil.”
“Você
é advogado?”
“Sou.
E você, já foi internada?”
“Eu
não gosto de escuridão. Quando era pequena, o meu pai me trancava
no porão da nossa casa quando eu fazia alguma coisa errada. O porão
era escuro como breu, eu morria de medo.”
“Mas
continua gostando do cheiro de charuto.”
“Meu
pai era um bom homem. Eu não tinha mãe e era muito endiabrada.”
“Quantos
anos você tinha?”
“Seis,
sete, oito anos.”
“Um
bom homem... Trancada no porão: sua internação é questão de
tempo. A não ser que você vença esse medo.”
“Um
advogado entende dessas coisas, também?”
“Eu
entendo dessas coisas. Você faz o quê?”
“Desenho
industrial.”
Na
varanda escura, Roberta não conseguia ver muito bem o seu
interlocutor. Não queria encará-lo, para observar como ele era
exatamente, mas gostava do som da sua voz e também dos seus
pensamentos insólitos, ainda que provavelmente tudo não passasse de
um estratagema, dizia coisas incomuns para mostrar que era um homem
diferente. Algumas mulheres eram seduzidas por esse artifício. Mas
não ela.
“Já
fez o desenho de uma cadeira?”
“Torradeira
de pão, calendário eletrônico, relógio de parede, coisas mais
fáceis. Nunca me pediram uma cadeira.”
“Por
que você não está com o umbigo de fora?”
“Digamos
que o meu umbigo é feio.”
“Não
existe umbigo feio. Todos possuem um transcendente significado
pré-autonômico. Uma parte significativa do corpo, além de ser
atraente, fascinante, misterioso, na mulher. Umbigo é vida.”
“E
os umbigos dos homens?”
“Não
são atraentes.”
“Pré-autonômico?”
“O
corte do cordão é o início da autonomia do ser. Vamos dar o fora
daqui?”
“Você
vai na frente. Vou encontrar dificuldade para achar o caminho de
volta.”
O
homem esperava por Roberta no estacionamento. Ela seguiu o carro dele
pela estrada escura de Araras. Quando o homem parou ao chegar à
rodovia, os carros ficaram emparelhados.
“Vamos
para o Rio?”
“Eu
não vou seguir você sem saber o seu nome.”
“Inácio
Vieira.”
“Roberta
Cunha.”
Ele
fez um gesto, como se a cumprimentasse. Roberta imitou-o.
“Acho
melhor eu ir agora na frente. Sei o caminho e você corre muito”
disse Roberta.
Quando
chegaram à cidade, Roberta parou o carro na porta de um edifício de
apartamentos. Inácio saltou do seu carro. Ela continuou sentada ao
volante.
“Eu
moro aqui.”
Ele
abriu a porta do carro para Roberta sair.
Então
Roberta pôde olhar bem para o homem.
“Você
quer subir?”
“Só
se você me oferecer um cafezinho.”
“Combinado.”
Subiram
para o apartamento.
Inácio
ficou na sala enquanto Roberta ia fazer o cafezinho. Quando voltou,
ele estava olhando a prancheta de desenhos dela.
“Eu
trabalho em casa. Frila. Você é casado?”
“Não.”
“Tem
namorada?”
“Não.
E você?”
“Nem
marido nem namorado.”
“Eu
devia perguntar como é que uma moça bonita dessas não tem
namorado, mas não vou fazer isso.”
“É
uma pena que eu não possa dizer a mesma coisa. Você não é um
homem bonito.”
“Minha
mãe me achava bonito.”
“É
mesmo?”
“Não.
Ela achava o meu irmão bonito. Mas ele já morreu, livrei-me desse
peso.”
“Sua
internação também é questão de tempo. Ah, esqueci que é difícil
internar um advogado.”
“Até
matar um advogado é difícil.”
“Você
quer ver o meu umbigo?” .
“Quero.”
Roberta
levantou a blusa, revelando a barriga. Inácio, com a língua,
acariciou o umbigo de Roberta.
“Tenho
que limpar o meu umbigo com um cotonete, ele é muito fundo, enfia o
dedo nele, para ver. Não é engraçado?”
“Você
já fez amor com um homem feio?”
“Não,
hoje vai ser a primeira vez.”
Foi
assim que tudo começou. Roberta nunca fora para a cama com um homem
no primeiro encontro, algo vulgar, deselegante. Mas o último dia do
ano predispõe as pessoas a cometerem atos intempestivos.
No
dia seguinte, Roberta ligou para Luciana, em Araras.
“Conheci
um homem muito... estranho, na sua casa, ontem.”
“Então
foi por isso que você sumiu de repente? Pensei que estava achando a
festa chata. Chegou a provar o bufê? Estava uma maravilha. E o vinho
era o Bordeaux que você tanto aprecia.”
“Os
bufês da sua casa são sempre uma maravilha. Tomei apenas um cálice
do vinho, que estava excelente. Porém nós decidimos ir embora, não
que o ambiente estivesse desagradável. Queríamos conversar
tranquilamente.”
“E
quem é essa figura tão fascinante que fez você abandonar a minha
festa?”
“O
nome dele é Inácio Vieira.”
“Inácio
Vieira? Como é que ele é?”
“É
um advogado, inteligente, não é bonito nem feio, parece um cão.”
“Um
cão? Nossa Senhora!”
“Um
daqueles cães grandes de olhar doce. Ele é encantador.”
“Não
conheço nenhum Inácio Vieira, ainda mais com cara de cão.”
“Não
é cara de cão, lembra um cão.”
“Provavelmente
ele veio com algum dos convidados. Onde é que ele mora?”
“Não
sei.”
“Vocês,
quando saíram daqui, foram para onde?”
“Ele
me levou até a minha casa.”
Roberta
não ia contar o que realmente acontecera para Luciana. Não tinha
coragem.
“Só
isso?”
“Só.
Conversamos um pouco na porta do edifício e ele foi embora.”
“Esse
cara de cão deve ser muito interessante, para tê-la impressionado
tanto, em tão pouco tempo. Faço questão de que você me apresente
o personagem.”
Quando
desligou o telefone, Roberta sentiu vontade de ligar para Inácio e
procurou o nome dele na lista telefônica. Não achou. Ele era mesmo
o tipo de homem que não deixava o nome constar da lista. Não lhe
dera o número do telefone, dizendo que ligaria para ela. “Tem um
papel, para anotar o meu número?”, ela perguntara, e ele
respondera, batendo com o dedo na cabeça: “Pode dizer, eu guardo
aqui.”
Roberta
esperou, ansiosa, durante três dias, um telefonema de Inácio. A
secretária eletrônica permaneceu muda. O maluco deve ter esquecido
o meu número, pensou.
No
quarto dia, Inácio ligou.
“Quero
que você conheça a minha casa. Posso passar aí para te pegar? São
oito horas, passo às nove horas. É muito tarde para você?”
“Não,
não e não.”
Roberta
morava no Leblon. A viagem até a casa de Inácio foi demorada.
Roberta nunca fora para aquele lado da cidade, as ruas eram todas
desconhecidas. A casa ficava num lugar isolado, no meio de um grande
e denso arvoredo, uma casa grande, antiga, com dois andares e um
sótão com uma pequena janela.
“Que
lugar é este?”
“Pode
chamar de Alto da Boa Vista.”
As
luzes da casa estavam todas acesas. A porta principal, de madeira
maciça, com altos relevos, abria para um salão enorme, decorado com
móveis e quadros antigos, além de uma grande estante cheia de
livros. Roberta leu a lombada de alguns. Nenhum era de Direito ou
assunto semelhante.
“Gosta
da minha casa? Está com a minha família desde o tempo do meu
bisavô.”
Inácio
levou-a até uma das janelas. Apontou com a mão: “Um dia vamos
subir juntos por essa floresta até o pico do Papagaio.”
“Então
é essa a floresta onde você se mete em busca da escuridão?”
“Uma
delas. Mas as trevas não existem mais na natureza.”
Inácio
levou Roberta para visitar os inúmeros cômodos da casa.
“Uma
casa grande dessas deve exigir uma porção de empregados.”
“Dois
faxineiros, duas arrumadeiras, dois jardineiros e uma cozinheira.
Todos trabalham durante o dia. Não gosto de empregados dormindo na
casa.”
“E
o jantar?”
“Janto
fora. Mas tenho alimentos para satisfazer uma fome inesperada.
Queijos, frutas, biscoitos, latas... E o vinho de que você gosta.
Vou apanhar na adega.”
Voltou
com dois copos e uma garrafa.
“Como
é que você sabe que eu gosto desse vinho?”
“Naquela
festa você bebia vinho tinto. E o melhor vinho tinto é o Bordeaux.”
“A
Luciana disse que não conhece você. Como foi parar naquela festa?”
“Penetrei.
Soube que havia aquela festa no meio do mato. Você viu o meu carro?”
“O
que tem o seu carro?”
“É
um carro novo. Você chega com um carro novo em qualquer festa de fim
de ano na serra e os seguranças do estacionamento acham que é um
dos convidados. Difícil é penetrar numa festa de forró.”
“Já
foi numa festa de forró?”
“Não
consegui penetrar.”
“Com
carro novo e tudo?”
“Festa
de forró não tem estacionamento. Agora vou apagar as luzes da
casa.”
“Apagar
as luzes?”
“É
uma experiência.”
Inácio
apagou todas as luzes.
Roberta
ficou um pouco assustada, no escuro. Lembrou-se do porão onde era
trancada quando criança.
“Como
você pode perceber, depois de algum tempo, também não existe
escuridão em minha casa, mesmo com as luzes todas apagadas. As
cortinas da janela não impedem que entre alguma claridade da rua
distante, de uma casa isolada no meio do mato, ou aquela que desce do
céu noturno. A escuridão no mundo acabou. Você pode ver o meu
vulto, não vê? Agora, fecha os olhos, por favor.”
Roberta,
nervosa, fechou os olhos.
“Ficou
mais escuro, com os olhos fechados? Não, não ficou mais escuro. Os
olhos fechados criam uma pseudo-escuridão cheia de manchas de um
marrom latejante, a visão do interior das suas pálpebras. A
escuridão perfeita só pode ser vista plenamente com os olhos
abertos. Mas tenho um lugar onde isso pode ocorrer.”
Inácio
acendeu as luzes da casa.
Voltaram
a beber. O vinho e as luzes acesas dissiparam a aflição de Roberta.
Foram
para a cama com as luzes acesas. O prazer que Roberta sentira da
primeira vez foi ainda maior. Inácio sabia que partes do seu corpo
eram mais sensíveis e não tinha pressa, e as sensações se
sucediam até que ela novamente se entregava a um langoroso orgasmo.
“Gostaria
de não ter que ir embora. Posso dormir aqui?”
“Infelizmente,
não. Vou te levar para casa.”
“Posso
voltar amanhã?”
“Pode.
À noite.”
“Mas
eu não sei vir aqui.”
“Eu
pego você. Mesma hora?”
No
dia seguinte Roberta ficou olhando para a prancheta sem conseguir
trabalhar, pensando no encontro com Inácio.
Durante
um mês eles se viram todas as noites. Inácio sempre ia buscá-la em
casa. Ela mal conseguia fazer o seu trabalho.
Uma
noite, quando entrou no carro de Inácio, ela perguntou:
“Você
acredita no amor? Diga que acredita, porque eu te amo.”
“Assim
de repente?”
“Já
existe o amor-assim-de-repente. Você me ama? Nunca amei nenhum
homem, antes.”
“Antes
de responder, quero que você prove que me ama realmente.”
“Faço
o que for preciso.”
Chegaram
à casa de Inácio, comeram queijos, tomaram vinho e fizeram amor,
Roberta de maneira mais ardente ainda que das outras vezes.
“Essa
prova é suficiente?”
“A
prova é outra. Lembra que eu falei que há um lugar onde existe a
escuridão perfeita?”
“Lembro.”
“Eu
quero que você frua o inefável prazer da escuridão plena.”
“Está
bem. Fecho os olhos, ou o quê?”
“Quero
que você venha comigo ao porão da minha casa.”
“Porão?
Eu tenho medo de qualquer porão. Sei que é um sentimento
infantil...”
“O
seu amor não é maior do que isso?”
“Posso
entrar em pânico, ou outra reação pior.”
“Não
quero pressionar você. Mas a prova é essa.”
“Mas
você me ama?”
“Respondo
depois da prova.”
“Você
é maluco.”
“Você
já me disse isso. O porão é limpo, não tem bichos nem odores
desagradáveis, um ar-condicionado central refresca o ambiente. Só
apago as luzes quando você disser que pode.”
“Está
bem”, disse Roberta, hesitante.
Desceram
por uma comprida escada de pedra e chegaram a uma porta de metal.
“Mandei
fazer esta porta. Fecha hermeticamente. O porão é também à prova
de som.”
Inácio
tirou uma chave do bolso e abriu a porta, que era grossa como a de um
cofre forte de banco.
“Para
que essa chave?”
“Não
gosto que os empregados entrem aqui sem minha licença.”
As
paredes do porão eram lisas, cobertas por um material escuro que
parecia absorver a luz que vinha do corredor. Num canto, uma cama,
com um lençol que parecia de linho. No meio do recinto, o
ar-condicionado.
“Vamos
ficar no escuro fazendo amor naquela cama?”
“Hoje
não. Hoje você vai ficar sozinha aqui, durante algum tempo.”
“No
escuro? Você vai me trancar no escuro, sozinha?”
“No
escuro, sozinha.”
“Não
aguento. Tenho medo. Não me obriga a fazer isso.”
“Não
estou obrigando. Estou colocando à prova seu amor por mim, ao mesmo
tempo que lhe darei a oportunidade de fruir da maior de todas as
experiências negada ao ser humano — a escuridão absoluta. Se você
sentir então o que eu sinto, saberei se a amo.”
“Você
é mesmo doido, sabia? Quero ir embora.”
“Então
vai. As chaves do meu carro estão na ignição. Vou ficar um pouco
aqui.”
Roberta
saiu, correndo. Ouviu a porta sendo trancada, o barulho da lingueta
da fechadura. Subiu as escadas de pedra, sempre correndo, até que
chegou ao pátio onde estava o carro de Inácio. Entrou, sentou-se em
frente ao volante, notando com um suspiro de alívio as chaves na
ignição. Esperou, algum tempo, que o seu coração sossegasse.
Meia
hora depois, saiu do carro e entrou novamente na casa. Desceu as
escadas de pedra e foi até à porta do porão.
Bateu
na porta, gritando. “Inácio, me deixa entrar.”
Durante
algum tempo gritou, bateu na porta com força, ferindo as mãos. Ele
não pode ouvir, pensou, lembrando-se de que o porão era à prova de
som.
Sentou-se
no chão, com as costas apoiadas na porta. Inácio ia ter que sair
dali, ela ia esperar. Estava tão cansada que dormiu e sonhou com o
seu pai, mas não foi um pesadelo.
Rubem Fonseca, in Pequenas Criaturas
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