Um
amigo meu estava ofendido porque um jornal o chamou de boa-vida.
Vejam que país, que tempo, que situação! A vida deveria ser boa
para toda gente; o que é insultuoso é que ela o seja apenas para
alguns.
“Dinheiro
é a coisa mais importante do mundo.” Quem escreveu isso não foi
nenhum de nossos estimados agiotas. Foi um homem que a vida inteira
viveu de seu trabalho, e se chamava Bernard Shaw. Não era um cínico,
mas um homem de vigorosa fé social, que passou a vida lutando, a seu
modo, para tornar melhor a sociedade em que vivia —, e em certa
medida o conseguiu. Ele nos fala de alguns homens ricos: “Homens
ricos ou aristocratas com um desenvolvido senso de vida — homens
como Ruskin, William Morris, Kropotkin — têm enormes apetites
sociais... não se contentam com belas casas, querem belas cidades...
não se contentam com esposas cheias de diamantes e filhas em flor;
queixam-se porque a operária está mal vestida, a lavadeira cheira a
gim, a costureira é anêmica, e porque todo homem que encontram não
é um amigo e toda mulher não é um romance… sofrem com a
arquitetura da casa do vizinho...”
Esse
“apetite social” é raríssimo entre os nossos homens ricos; a
não ser que “social” seja tomado no sentido de “mundano”. E
nossos homens de governo têm uma pasmosa desambição de governar.
Vi,
há tempos, um conhecido meu, que se tornou muito rico, sofrer
horrorosamente na hora de comprar um quadro. Achava o quadro uma
beleza, mas como o pintor pedia tantos contos ele se perguntava, e me
perguntava, e perguntava a todo mundo se o quadro “valia” mesmo
aquilo, se o artista não estaria pedindo aquele preço por sabê-lo
rico, se não seria “mais negócio” comprar um quadro de fulano.
Fiquei
com pena dele, embora saiba que numa noite de jantar e boate ele
gaste tranquilamente aquela importância, sem que isso lhe dê nenhum
prazer especial. Fiquei com pena porque realmente ele gostava do
quadro, queria tê-lo, mas o prazer que poderia ter obtendo uma coisa
ambicionada era estragado pela preocupação do negócio. Se não
fosse pelo pintor, que precisava de dinheiro, eu o aconselharia a não
comprar.
Homens
públicos sem sentimento público, homens ricos que são, no fundo,
pobres-diabos — que não descobriram que a grande vantagem real de
ter dinheiro é não ter que pensar, a todo momento, em dinheiro…
Rubem Braga, in A traição das elegantes
Desculpe-me. Acessei seu blog por acidente. Mas, foi uma agradável surpresa, sobretudo ao ler algumas crônicas de Rubem Braga muito bem escolhidas. Parabéns por seu blog. Tudo de bom para você.
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