domingo, 12 de março de 2023

O Lobo do Mar | Capítulo 36

Eu e Maud passamos dois dias explorando as praias à procura dos mastros perdidos. Foi só no terceiro dia que os encontramos, todos juntos, incluindo a cabrilha, justamente no lugar mais perigoso de todos, na rebentação violenta do temível promontório a sudoeste. Como trabalhamos! Ao escurecer do primeiro dia, retornamos exaustos à nossa pequena enseada, rebocando o mastro principal. E fomos obrigados a remar, em meio à completa calmaria, cada centímetro do trajeto.
Após mais um dia de trabalho extenuante e arriscado conseguimos trazer os dois mastaréus para o acampamento. No dia seguinte entrei em desespero e amarrei juntos o mastro de proa, os paus de carga e as duas caranguejas. O vento estava favorável e eu havia planejado rebocá-los usando a vela, mas o vento virou e depois parou de soprar, obrigando-nos a progredir com os remos em passo de tartaruga. E que esforço ingrato era aquele… Colocar toda a força e o próprio peso nos remos apenas para sentir o avanço do bote ser detido pela carga pesada não era exatamente estimulante.
A noite começou a cair. Para piorar, o vento ficou contra. Isso não apenas anulou qualquer possibilidade de avanço como nos empurrou aos poucos de volta para o mar aberto. Lutei com os remos até ficar esgotado. A pobre Maud, que eu não conseguia impedir de trabalhar até o limite de sua capacidade, deitou-se enfraquecida no fundo da popa. Eu já não podia continuar remando. Minhas mãos esfoladas e inchadas nem conseguiam segurar o cabo do remo. Uma dor intolerável tomou conta dos meus pulsos e braços e, apesar de ter ingerido uma refeição reforçada no almoço, a intensidade do trabalho foi tanta que eu ameaçava desmaiar de fome.
Recolhi os remos e me inclinei para a frente, na direção da corda que prendia a carga. Mas a mão de Maud impediu o avanço da minha.
O que pretende fazer? — ela perguntou com uma voz rígida e tensa.
Soltar tudo — respondi, desfazendo uma volta da corda.
Seus dedos fecharam em torno dos meus.
Não faça isso, por favor — ela implorou.
É inútil — respondi. — Já anoiteceu e o vento está nos empurrando para o alto-mar.
Mas pense, Humphrey. Se não tivermos condições de ir embora com o Ghost, podemos passar anos nessa ilha, ou mesmo a vida toda. Ela não foi descoberta até hoje, e talvez nunca seja.
Você está esquecendo do bote que encontramos na praia — lembrei.
Era um bote de caça à foca — ela respondeu —, e você sabe muito bem que, se os homens houvessem escapado, teriam retornado para fazer fortuna com as colônias. Você sabe muito bem que eles não conseguiram.
Permaneci em silêncio, indeciso.
Além do mais — ela acrescentou com hesitação —, foi uma ideia sua, e quero vê-lo triunfar.
Agora eu podia endurecer o coração. A partir do momento em que ela colocava as coisas nos termos de um elogio pessoal, eu me via impelido a contrariá-la.
É melhor passar anos na ilha do que morrer esta noite, ou amanhã, ou no dia seguinte, num bote aberto. Não estamos preparados para desbravar o oceano. Não temos comida, água, cobertores, nada. Você não sobreviveria uma noite sem cobertores. Conheço o limite da sua resistência. Está tremendo de frio agora mesmo.
É só nervosismo — ela respondeu. — Temo que não me leve em consideração e solte os mastros. — Passado um momento, ela desabafou: — Oh, por favor, por favor, Humphrey, não faça isso!
Ela sabia do poder absoluto que aquelas palavras exerciam sobre mim, e assim o assunto foi encerrado. Trememos tenebrosamente a noite toda. De vez em quando eu conseguia dormir, mas a dor provocada pelo frio acabava me despertando. Eu não entendia como Maud era capaz de aguentar. Eu estava cansado demais para movimentar os braços e me aquecer, mas várias vezes encontrei forças para esfregar suas mãos e pés e reativar sua circulação. Mesmo assim, ela continuou me implorando para não abandonar os mastros. Perto das três da manhã ela sofreu de espasmos de hipotermia, e depois que a esfreguei ficou um tanto mortiça. Aquilo me assustou. Instalei os remos e a fiz remar, mesmo que ela estivesse fraca a ponto de quase desmaiar.
A manhã nasceu e passamos muito tempo procurando nossa ilha na luz que brotava. Uma hora ela finalmente despontou no horizonte, pequena e escura, a uns vinte e cinco quilômetros de distância. Vasculhei o mar com a luneta. Bem longe, a sudoeste, havia uma linha escura na superfície do mar que aumentava a olhos vistos.
Vento a favor! — gritei com uma voz rouca que eu mal podia reconhecer como sendo minha.
Maud tentou responder, mas não conseguiu falar. Seus lábios estavam azuis de frio e seus olhos afundados nas órbitas. Apesar disso, como me olhavam com bravura aqueles olhos castanhos! Que bravura comovente!
Mais uma vez, esfreguei suas mãos e movimentei seus braços para cima e para baixo, até que ela pudesse movê-los sozinha. Depois, mesmo que ela estivesse caindo sem meu apoio, eu a forcei a levantar e caminhar pelo bote, entre o banco e a popa, e depois a pular.
Você é muito, muito valente — falei ao ver seu rosto se recobrir de vida. — Você sabia que era tão valente?
Eu não costumava ser — ela respondeu. — Nunca fui valente antes de conhecer você. Foi você que me deu valentia.
Eu também nunca fui, antes de conhecer você.
Ela me lançou um rápido olhar, e ali estavam novamente a luz trêmula e dançante e aquele algo a mais que eu não podia definir. Só durou um momento. Depois ela sorriu.
Devem ter sido as provações que enfrentamos — ela falou, mas eu sabia que ela estava enganada e me perguntava até que ponto ela também estava ciente disso. Então o vento chegou, fresco e forte, e o bote avançou pelo mar agitado em direção à ilha. Passamos pelo promontório do sudoeste às três e meia da tarde. Não bastasse a fome, sofríamos agora uma sede terrível. Nossos lábios estavam escuros e rachados e já não conseguíamos umedecê-los com a língua. O vento começou a morrer. À noite tivemos outra calmaria e eu voltei aos remos, mas estava muito, muito fraco. Às duas da manhã o bote tocou a areia de nossa enseada particular e eu saí com dificuldade para amarrar o proiz. Maud não conseguia se manter em pé e eu não tinha forças para carregá-la. Caí na areia a seu lado e, depois de me recuperar, contentei-me em arrastá-la pelos braços praia acima, até a cabana.
Não trabalhamos no dia seguinte. Na verdade, dormimos até as três da tarde, ou pelo menos eu dormi, pois ao acordar encontrei Maud cozinhando. Sua capacidade de recuperação era fantástica. Havia uma tenacidade especial naquele corpo frágil como um lírio, um apego à existência que não combinava com sua evidente fraqueza.
Eu estava indo cuidar da minha saúde no Japão, sabe — ela disse quando sentamos diante do fogo após o jantar, regalando-nos com a ociosidade. — Eu não era muito forte. Nunca fui. Os médicos recomendaram uma viagem marítima, e escolhi a mais longa de todas.
Mal sabia você o que estava escolhendo — ri.
Mas sairei desta experiência uma mulher diferente, mais forte — ela respondeu —, e também melhor, espero. No mínimo, compreenderei a vida muito melhor.
Quando aquele dia curto se esvaiu, começamos a discutir a cegueira de Wolf Larsen. Era inexplicável. Quanto à sua gravidade, lembrei que ele havia declarado a intenção de permanecer e morrer em Endeavour Island. Se ele, homem possante que era, amante da vida, estava aceitando a própria morte, estava claro que alguma coisa mais grave o atormentava. Ele era acometido daquelas dores de cabeça descomunais, e concordamos que devia ter sofrido alguma espécie de dano cerebral e que durante os ataques suportava dores além da nossa compreensão.
Enquanto discutíamos a condição dele, percebi que Maud dedicava-lhe uma empatia cada vez maior, e diante daquela doce exibição de benevolência feminina não me restava opção a não ser amá-la ainda mais. Além disso, não havia falsidade nenhuma em seus sentimentos. Ela concordava que o tratamento mais rigoroso possível era necessário para nossa fuga, mas horrorizava-se com a ideia de que eu, em algum momento, precisasse matá-lo para salvar a minha própria vida, ou a “nossa vida”, como ela dizia.
Tomamos o café pela manhã e quando o sol subiu fomos trabalhar. Encontrei uma pequena ancoreta no porão de proa, onde se guardavam coisas desse tipo, e com uma boa dose de esforço consegui levá-la para o convés e depois para o bote. Trazendo um rolo comprido de corda na proa, remei bem para dentro da nossa pequena enseada e lancei a ancoreta. Não havia vento, a maré estava alta e a escuna flutuava. Depois de ter ancorado a escuna longe do contorno da costa, reboquei-a à força (o cabrestante estava quebrado) até que ficasse quase alinhada com a ancoreta, que era pequena demais para retê-la diante de qualquer brisa. Por isso, lancei também a âncora grande de estibordo, dando bastante corda. Quando a tarde chegou eu já estava consertando o cabrestante.
Passei três dias nisso. Eu estava longe de ser um mecânico, e um maquinista experiente teria concluído o trabalho no mesmo número de horas. Primeiro tive de aprender a usar as ferramentas, depois os simples princípios mecânicos que um profissional teria na ponta dos dedos. Ao final de três dias, eu tinha um cabrestante que mal e mal funcionava. Nunca me deu a mesma satisfação que o outro, mas tornava o trabalho possível.
Levei a metade de um dia para trazer os dois mastaréus a bordo e erguer e cordoar a cabrilha como antes. Dormi no convés aquela noite, ao lado de minha construção. Maud, que se recusou a ficar sozinha na praia, dormiu no castelo de proa. Wolf Larsen tinha ficado sentado por perto, escutando o conserto do cabrestante e conversando comigo e Maud sobre assuntos corriqueiros. Nenhum dos lados fez qualquer menção à destruição da cabrilha, e ele também não voltou a insistir que eu deixasse seu navio em paz. Mas eu ainda o temia do jeito que ele estava, cego, impotente, ouvindo tudo com atenção em todos os momentos, e nunca permiti que seus braços possantes se aproximassem de mim enquanto eu trabalhava.
Nessa noite, dormindo embaixo de minha tão adorada cabrilha, fui despertado pelos passos de Wolf Larsen no convés. Era uma noite estrelada e eu podia ver seu vulto enquanto se movia. Me livrei dos cobertores e fui atrás dele sem fazer barulho, de meias nos pés. Ele empunhava uma faca de tanoeiro retirada do armário de ferramentas, e estava prestes a cortar as adriças de boca que eu tinha prendido novamente à cabrilha. Tateou as adriças com as mãos e descobriu que eu não as havia esticado. Isso tornava a faca de tanoeiro inútil, portanto ele segurou, esticou e amarrou uma ponta da adriça, e então preparou-se para cortar.
Eu não faria isso se fosse você — eu disse em voz baixa.
Ele ouviu minha pistola sendo engatilhada e riu.
Olá, Hump. Eu sabia o tempo todo que você estava aqui. Meus ouvidos não podem ser enganados.
Você está mentindo, Wolf Larsen — falei no mesmo tom baixo de voz. — De todo modo, estou ansiando por uma oportunidade de matá-lo, portanto vá em frente e corte logo essa adriça.
Você tem essa oportunidade o tempo inteiro — ele desdenhou.
Corte logo — ameacei.
Prefiro desapontá-lo — ele riu, e então deu meia-volta e retornou à popa.
Algo precisa ser feito, Humphrey — disse Maud na manhã seguinte, quando relatei o ocorrido durante a noite. — Se ele tiver liberdade, fará o que bem entender. Pode afundar o barco ou atear fogo nele. Não podemos prever o que ele irá fazer. Devemos aprisioná-lo.
Mas como? — ergui os ombros. — Não ouso ficar ao alcance de seus braços, e ele sabe que não conseguirei atirar nele enquanto sua resistência for passiva.
Deve haver uma maneira — ela afirmou. — Deixe-me pensar.
Há uma maneira — falei num tom sinistro.
Ela esperou.
Peguei um porrete para focas.
Não irá matá-lo — falei. — E antes que ele se recupere terei tempo de amarrá-lo bem forte.
Ela balançou a cabeça e estremeceu.
Não, isso não. Deve haver uma maneira menos brutal. Vamos esperar.
Não precisamos esperar muito para que o problema se resolvesse sozinho. Pela manhã, após várias tentativas, encontrei o ponto de equilíbrio no mastro de proa e prendi minha talha de içar um pouco acima dele. Maud segurava a manivela e recolhia a corda enquanto eu puxava. Se o cabrestante estivesse em perfeitas condições, não teria sido tão difícil, mas do jeito que estava eu era obrigado a aplicar todo meu peso e força para puxar cada centímetro. Precisava parar com frequência para descansar. Na verdade, as pausas para descanso eram maiores que as sessões de atividade. Maud chegou a ter a ideia de segurar a manivela com uma das mãos e colocar o pequeno peso de seu corpo para me ajudar nos momentos em que minha força era insuficiente para operar o cabrestante.
Ao fim de uma hora, os moitões simples e duplo se encostaram no topo da cabrilha. Eu não conseguia mais puxar. O mastro, porém, ainda não estava inteiramente a bordo. A base estava tocando o lado de fora da amurada de bombordo enquanto o topo pairava acima da água, bem longe da amurada de estibordo. Minha cabrilha era curta demais. Todo o meu trabalho tinha dado em nada. Mas não me desesperei como nas outras vezes. Eu estava acumulando confiança em mim mesmo e na capacidade do cabrestante, da cabrilha e das talhas. Havia uma maneira de fazer aquilo, e eu só precisava encontrar essa maneira.
Enquanto eu refletia acerca do problema, Wolf Larsen apareceu no convés. Notamos na mesma hora que havia alguma coisa estranha nele. A indecisão ou debilidade de seus movimentos era maior. Ele chegou a cambalear ao descer pelo lado de bombordo da cabine. Na entrada do tombadilho ele vacilou, tapou os olhos com a mão com aquele movimento típico de afastar teias de aranha, tropeçou pelos degraus sem chegar a cair no chão, atingiu o convés e ficou ali balançando, buscando apoio com os braços. Recuperou o equilíbrio perto da escotilha da baiuca e permaneceu ali por um momento, tonto, até que de repente se encolheu e desabou sobre o convés com as pernas amolecidas.
É um daqueles ataques — sussurrei para Maud.
Ela concordou com a cabeça e seus olhos se encheram de compaixão.
Chegamos perto, mas ele parecia inconsciente e respirava em espasmos. Ela se encarregou de cuidar dele, erguendo sua cabeça para o sangue circular, e pediu que eu buscasse um travesseiro na cabine. Aproveitei para trazer cobertores e tentamos deixá-lo confortável. Tomei seu pulso. Estava forte e ritmado, batendo normalmente. Aquilo me intrigou. Tive suspeitas.
E se ele estiver fingindo tudo isso? — perguntei, ainda segurando seu pulso.
Maud balançou a cabeça com um olhar reprovador. Mas nesse exato momento o pulso escapou da minha mão e ele agarrou o meu pulso com dedos de aço. Gritei alto, tomado de um medo terrível, um apelo selvagem e inarticulado, e vislumbrei seu rosto maligno e triunfante enquanto ele me envolvia com o outro braço e me prensava contra ele com uma força abominável.
Meu pulso foi solto, mas seu outro braço deu a volta em minhas costas e segurou os meus dois braços, impedindo meus movimentos. Sua mão livre buscou minha garganta e naquele instante senti o gosto amargo de uma morte encomendada pela própria idiotice. Por que eu tinha me permitido entrar no alcance daqueles braços terríveis? Senti outras mãos em minha garganta. Eram as mãos de Maud, tentando em vão desprender a manzorra que me estrangulava. Quando ela desistiu, ouvi um grito que me cortou a alma, pois era o grito lancinante do medo e do desespero de uma mulher. Eu o ouvira antes, no naufrágio do Martinez.
Meu rosto estava esmagado contra o peito de Wolf Larsen e eu não conseguia ver, mas ouvi Maud se afastar e correr pelo convés. Tudo estava acontecendo muito rápido. Eu ainda não havia notado indícios de inconsciência e tive a impressão de que um tempo interminável transcorreu até ouvir os passos dela novamente. Logo em seguida, senti o homem afundar embaixo de mim. O fôlego começou a escapar de seus pulmões e seu peito cedeu ao meu peso. Se foi apenas a expiração ou a consciência de sua crescente impotência, isso eu não sei, mas um gemido profundo vibrou em sua garganta. A mão presa à minha garganta relaxou. Respirei. A mão estremeceu e apertou novamente. Mas nem sua vontade tremenda foi capaz de superar a dissolução. Sua vontade tinha sido minada. Ele estava desmaiando.
Os passos de Maud estavam muito próximos no instante em que a manzorra estremeceu pela última vez e soltou minha garganta. Rolei para o lado e fiquei de costas sobre o convés, tossindo e piscando os olhos contra a luz do sol. Voltei-me para Maud imediatamente e vi que estava pálida, porém controlada, me olhando com uma mistura de preocupação e alívio. Chamou minha atenção o porrete que ela tinha em mãos, e ela acompanhou meu olhar até ele. Deixou cair o porrete como se tivesse sido picada por ele, e no mesmo instante meu coração foi invadido por uma enorme alegria. Ela era realmente minha mulher, minha parceira, alguém que lutava comigo e por mim como teria feito a parceira de um homem das cavernas, com todo seu lado primitivo eriçado, alheio à sua cultura, com a dureza preservada por baixo da delicadeza civilizada da única vida que ela conhecera até então.
Mulher adorada! — exclamei, me esforçando para ficar em pé.
No instante seguinte ela estava em meus braços, chorando convulsivamente em meu ombro enquanto eu a abraçava com força. Baixei os olhos para a formosura castanha de seus cabelos, joias reluzindo ao sol, mais preciosas para mim que as do tesouro de qualquer rei. Dobrei o pescoço e beijei seus cabelos com tamanha suavidade que ela nem percebeu.
Em seguida, voltei a pensar com a razão. Afinal, ela não passava de uma mulher chorando de alívio após se livrar do perigo, jogada nos braços de seu protetor ou daquele que estava sob ameaça. Se eu fosse um pai ou um irmão, a situação não teria sido diferente. Além disso, a ocasião e o lugar não eram os mais apropriados, e eu queria assegurar o direito de declarar meu amor por ela. Portanto, beijei seus cabelos de novo com suavidade enquanto sentia ela se afastar.
Foi um ataque verdadeiro dessa vez — eu disse. — Outro choque semelhante àquele que o cegou. Primeiro ele fingiu, e ao fazê-lo provocou o ataque.
Maud já estava pondo o travesseiro de novo no lugar.
Não — falei —, ainda não. Agora que ele está sob nosso jugo, deverá permanecer sob nosso jugo. De hoje em diante, moraremos na cabine. Wolf Larsen morará na baiuca.
Eu o ergui pelos braços e o arrastei até a escotilha. Seguindo minhas instruções, Maud foi buscar uma corda. Passei a corda por baixo de seus braços, equilibrei-o na posição correta na beira da escotilha e desci pelos degraus até o piso. Eu não conseguia levantá-lo para pô-lo na cama, mas com a ajuda de Maud consegui erguer primeiro a cabeça e os ombros, depois o resto do corpo, e assim o fiz passar por cima da beirada de um dos beliches inferiores.
Mas isso não bastaria. Lembrei das algemas que ele guardava em seu camarote para prender os marinheiros, método que considerava melhor que os grilhões toscos e antiquados do navio. Quando eu o deixei, estava algemado nas mãos e nos pés. Pela primeira vez em dias, consegui respirar aliviado. Me senti estranhamente leve ao voltar para o convés, como se tivesse retirado um peso dos ombros. Também fiquei com a impressão de que eu e Maud tínhamos nos aproximado ainda mais. E me perguntei se ela sentia o mesmo enquanto andamos juntos pelo convés em direção ao mastro da proa, que continuava suspenso na cabrilha.

Jack London, in O Lobo do Mar

Nenhum comentário:

Postar um comentário