quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

A cidade sagrada

Wiracocha, que tinha afugentado as sombras, ordenou ao sol que enviasse uma filha e um filho à terra, para iluminar o caminho aos cegos.
Os filhos do sol chegaram às margens do lago Titicaca e começaram a viagem pelas quebradas da cordilheira. Traziam um cajado. No lugar onde afundasse o primeiro golpe do cajado, fundariam um novo reino. Do tronco, atuariam como seu pai, que dá a luz, a claridade e o calor, derrama a chuva e o orvalho, empurra as colheitas, multiplica as manadas e não deixa passar nenhum dia sem visitar o mundo.
Por todas as partes tentaram enterrar o cajado de ouro. A terra recusava, e eles continuavam buscando.
Escalaram picos e atravessaram correntezas e planaltos. Tudo que seus pés tocavam, ia se transformando: faziam fecundas as terras áridas, secavam os pântanos e devolviam os rios a seus leitos. Na alvorada, eram escoltados pelos gansos, e pelos condores ao entardecer.
Por fim, junto ao monte Wanakauri, os filhos do sol enterraram o cajado. Quando a terra o tragou, um arco-íris ergueu-se no céu.
Então o primeiro dos incas disse à sua irmã e mulher:
Convoquemos as pessoas.
Entre a cordilheira e o altiplano estava o vale coberto de arbustos. Ninguém tinha casa. As pessoas viviam em buracos e ao abrigo de rochedos, comendo raízes, e não sabiam tecer o algodão nem a lã para defender-se do frio.
Todos os seguiram. Todos acreditaram neles. Pelos fulgores das palavras e dos olhos, todos souberam que os filhos do sol não estavam mentindo, e os acompanharam até o lugar onde os esperava, sem ter ainda nascido, a grande cidade de Cuzco.

Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

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