segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Foi um rio que passou em minha vida | Paulinho da Viola, 1969


Traição, remorso e redenção se combinam na origem deste hino informal da Portela e um dos maiores sambas de todos os tempos. A história começa em 1968, quando o portelense da gema Paulinho da Viola (1942) musicou “Sei lá, Mangueira”, uma letra de Hermínio Bello de Carvalho, que planejava incluir o samba num show celebrando a verde e rosa. Mas Paulinho foi surpreendido pela notícia de que o poeta mudara de ideia. Percebendo a força do novo samba, Hermínio o inscreveu no IV Festival da Música Popular Brasileira, na TV Record, em que foi interpretado por Elza Soares. Sucesso imediato, deixou em pânico Paulinho, então presidente da ala de compositores da Portela: o que diriam seus colegas na escola de Oswaldo Cruz dessa declaração de amor à rival?
Perturbado com a repercussão da música na Portela, coração dividido e réu confesso, o jovem sambista só pensava naquilo. Até que, certa tarde, caminhando pelo Centro do Rio, este clássico em formato de samba-enredo, com uma longa letra de 29 versos, começou a brotar em sua cabeça e em seu coração azul e branco. Normalmente vagaroso no compor, Paulinho criou “Foi um rio que passou em minha vida” de uma lavada só, traduzindo plasticamente a sua sensação ao assistir a um desfile da Portela: “… aquele azul / não era do céu / nem era do mar / foi um rio que passou em minha vida / e o meu coração se deixou levar.”
Gravada em 1969, saiu inicialmente num compacto duplo feito para lançar “Sinal fechado”, a canção vencedora naquele ano do V Festival da Record. Mas fez tanto sucesso que, no ano seguinte, “Foi um rio que passou em minha vida” voltou e deu nome ao segundo álbum solo de Paulinho, tornando-se o maior sucesso de sua carreira.
No carnaval de 1970, por sugestão do então presidente da Portela, Natal, o samba foi cantado antes do início do desfile. Desde então, “Foi um rio…” virou uma espécie de amuleto sonoro, esquentando a entrada da escola na avenida a cada carnaval, número obrigatório nos ensaios na quadra ou, seja qual for a agremiação, em qualquer roda de samba que se preze.

Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil

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