Vi
na televisão paisagem do Nordeste. Lá o Brasil tem história, vira
país antigo. Moramos no lugar mais bobinho de Minas, nunca acharam
uma cerâmica, um ferro de senzala nesta minha cidade. Cheira a Deus
a velhice dos recém-nascidos, cheiram a sarcófago, a eternidade, os
adoráveis nenéns. A matéria é eterna? Ser é tão absurdo quanto
não ser. Graça passa mal quando pensa em infinito. Diante de
mistério tão avassalador, não sei onde pendurar este casículo.
Abel me contou que estava atravessando o pontilhão da mina e cruzou
com o Pardal que lhe implorou: oi, oi, deixa eu passar a mão no seu
pinto, oi, oi, deixa, deixa, só um pouquinho, oi. Isto aconteceu e
não pode ficar sobrando na história das civilizações, senão a
engrenagem enguiça, o eixo da terra se inclina e o sentido último
de tudo — o que interessa — se perde e aí, oi, oi, loucura,
danação eterna, sofrimento inenarrável, palavra que meu pai
adoraria, como adorava inabalável. Mudava-lhe o semblante. Meus
exames estão ótimos. Estou disposta para um monte de coisas,
escrever o que me cair da telha, trabalhar na catequese, viajar ao
Nordeste — projeto mais remoto por causa do avião —, ao norte de
Minas, a lugares antigos, escrever um auto onde precisarei de luzes
vermelhas e comprar uma coisa de ouro para mim. É preciso dar
graças. Os pobres? Sou eu.
Adélia Prado, in Quero minha mãe
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