Ontem
houve um enterro aqui no hotel. Não foi dos mais belos, mas sempre
alegrou a vista.
Morreu
exatamente o ator Papanatas, que desta vez se atirou à parede como
se fora uma bola de futebol e não de pingue-pongue, e morreu
imediatamente. Depois de muito insistir deixaram-me ver o corpo, todo
vestido de azul como uma papoula. Trazia as narinas abertas, e não
fechadas como eu supunha, a aspirar o ar ambiente, trescalando a
vela. A cabeça estava envolta numa faixa muito bem apertada,
certamente para que os miolos não saíssem pela abertura feita pela
parede, já que não puderam sair pela boca, nem pelo nariz, nem
mesmo pelos ouvidos. Mas era o mesmo Papanatas de sempre, ou antes, a
Dama das Camélias, como ele gostava que o chamassem.
Houve
muito pranto, graças a Deus; e eu temia que não houvesse, não sei
bem por quê. Eu mesmo arrisquei uma furtiva lágrima, que caiu bem
no nariz de Papanatas e depois rolou pela sua boca, só não entrando
porque o lenço estava muito bem amarrado e ali não passava nem um
palito. Mas quem chorou de fato foi uma mulher de nádegas enormes —
um pouco calva, me pareceu — e que, quando deixava de chorar, era
pra fitar-me com um olhar suspeitoso, como se houvera sido eu o
assassino de Papanatas e não ele mesmo. Também chorou uma mocinha
de seus quinze belos anos, muito linda para um funeral tão pobre, e
com quem eu flertei entre um pranto e outro, para não deixar escapar
tão bela oportunidade.
Não
houve biscoitos, como é de praxe, nem sequer uma xícara de café
fumegante e aromático, como nos bons tempos em que havia um morto
dentro da nossa casa ou em casa dos vizinhos mais afortunados. Em
verdade tudo se limitou a um espetáculo muito banal e em parte
ridículo, do qual me aborreci logo e tratei de esquecer-me assim que
me vi no corredor, ao lado de um dos criados que gentilmente se
prontificou a acompanhar-me.
Gosto
de morte, realmente, e sobretudo de mortos, mas me parece que
Papanatas poderia ter arranjado uma morte mais digna e menos vulgar,
com bimbalhar de sinos por exemplo e alguns foguetes de chuva de
prata, que são os mais belos para ocasiões semelhantes. Vou falar
mesmo com a mulher do subgerente nesse sentido, assim que ela venha
aplicar-me a injeção de soro da juventude que o Governo manda
aplicar gratuitamente em todos os hóspedes do hotel.
E,
aproveitando, tentarei passar-lhe as mãos pelos joelhos, e se
possível pelas coxas, embora não o permita o novo regulamento.
Walter Campos de Carvalho, in A lua vem da Ásia
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