segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Tem lasanha no céu, nega?

Esse mês, faz oito anos que você morreu.
Que ideia, Nega! Puta merda! A gente nem tinha feito aquela viagem das amigas e você me vai, pega e morre. Que porcaria para fazer em pleno domingo!
Enfim, isso já te falei várias vezes, mas você nunca mudou de ideia e voltou, o que me leva a acreditar que o céu deve mesmo ser bacana.
Aliás, vira e mexe eu te pergunto umas coisas.
Se devia investir nessa relação com o bonitão que conheci no Natal, se vai dar muito errado se eu pedir demissão do emprego, se devo ou não devo comprar o jeans de cintura alta (você me traumatizou duplamente naquele fim de semana de abril de 2007 – um porque morreu, dois porque na sexta-feira eu te mostrei meu jeans novo e você falou que era “ok, mas tinha um quê de baile funk”).
Às vezes até acho que você responde. Tento interpretar sonhos, fico achando que no metrô tinha alguém com seu perfume, reparo que na primeira página do jornal posso encontrar, espalhadas, as letras que formam seu nome. Acho que são sinais, só não sei do quê.
Mas outras vezes acho que você não tá nem aí com a piciroca. Tipo aquelas vezes em que a gente vai para uma praia paradisíaca com um novo paquera maravilhoso e simplesmente desencana de todo mundo? Amigos, chefe, contador. E-mail, WhatsApp, carta na garrafa.
Às vezes acho que tá tão da hora aí no céu que você só dá uma olhada na gente de vez em quando, vê que tá tudo sob controle (ou pelo menos ok, que nem a minha calça) e continua aí sassaricando e tal.
Mas, sério, me bateu uma preocupação. A gente precisa conversar sobre um assunto sério. E dessa vez você precisa responder. Eu andei perdendo o sono por causa desse negócio. A gente precisa conversar sobre lasanha, Nega.
Era nosso melhor programa de noite de inverno: filme repetido e lasanha congelada. A vida fazia tanto sentido, e você me aprontou essa de morrer. Mas agora eu preciso saber. Me fala: tem lasanha no céu, Preta?
É sério. Eu me viro com os romances, as crises na carreira e na família, tudo bem, mas não posso ficar com essa angústia. Sem saber se tem ou não tem lasanha no céu, não dá pra estabelecer quanto medo tenho da morte.
Sério mesmo, eu preciso de uma resposta sua. Vou esperar e sei que você não me decepcionará. Já me basta ter morrido.

Ruth Manus, in Pega lá uma chave de fenda: e outras divagações sobre o amor

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