“Os
aglomerados urbanos estão se coagulando em cruéis megalópolis, uma
forma de vida, de habitação, sem precedentes em toda a história da
humanidade”, afirma Toynbee. E conclui: “confesso desconhecer se
o homem conseguirá promover uma revolução de costumes tão rápida
e radical que consiga salvá-lo do fim”.
Misterioso
casal, conhecido apenas como os dois, que afirma existir um reino
superior que só pode ser alcançado através dos discos voadores,
está aumentando o número de seguidores por onde passa. Um moço e
uma moça, afirmando serem seguidores dos dois, apareceram na
terça-feira na cidade de Mineápolis, Estados Unidos, para pregar a
nova doutrina de vida.
Confesso
que vontade de seguir os dois é o que não me falta. Nasci no campo,
num rancho quinchado com santa-fé, rodeado de parreiras, glicínias
e bambu. Neste momento, estou encerrado em um cubículo encaixado
numa massa de concreto, a uns vinte metros do solo.
No
campo, minha primeira tarefa do dia era trazer as vacas para a
mangueira. Depois da ordenha, saía a manguear para os mundéus
alguma perdiz que nem desconfiava de estar vivendo seu último
passeio matutino. Hoje, saí deste cubículo elevado, por outro
cubículo menor desci até o solo. Se tivesse carro, penetraria
noutro cubículo ainda menor, para dirigir-me a um outro cubículo,
maior ou menor, mais alto ou menos alto, isto não importa, mas
sempre cubículo. Assim é a cidade: a encenação impecável de um
conto de Kafka.
Não
creio seja difícil criar hoje em dia seitas e religiões. Basta que
alguém, suficientemente fanático e demagogo (no sentido original da
palavra), anuncie uma nova doutrina de vida, um novo reino, algo
novo. Anuncie seja o que for, mas que seja novo. Um retorno à
natureza, talvez, o que como ideia nada tem de novo, mas ficou para
sempre em teoria.
Quem
não gostaria de estar no mar ou no campo neste sábado? E quem está
não gostaria de permanecer? Mas segunda-feira é a volta aos
cubículos, às trajetórias verticais e horizontais de um cubículo
a outro.
Num
estado totalitário, onde até mesmo o pensamento de seus cidadãos
era controlado pelo Estado, através de uma droga chamada kalocaína,
foi descoberta uma seita subversiva e vasta. Para espanto dos
policiais, a seita não tinha organização:
— Organização?
Não buscamos organização alguma. O que é orgânico não precisa
ser organizado.
A
seita tampouco tinha nome.
— Não
pergunte. Não temos nome, nem organização. Apenas existimos.
Tampouco
tinha chefes. Uns conheciam alguns outros, e apenas isso. Quando os
policiais ouviram que a seita não tinha objetivos definidos,
pensaram estar tratando com loucos. O desejo mais preciso que
manifestavam era:
— Queremos
ser... queremos tornar-nos... uma outra coisa...
Poucas
informações tenho sobre os dois. Os repórteres internacionais
correm atrás de grandes nomes, nenhuma preocupação teriam com dois
que nem nome têm. Mas os dois merecem uma atenção maior de nossa
parte. Pois no fundo, os dois somos nós todos, que estamos levando
uma vida que não é a que sonhamos.
Janer Cristaldo, in A força dos mitos
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