Cheguei
com meus presentes. Cumprimentei Adriana. Ela estava sentada no
centro do pátio, em uma cadeira de vime, rodeada pelos convidados.
Vestia uma saia bem rodada, de organdi branco e com uma anágua
engomada, cuja renda aparecia ao menor movimento, uma tiara de metal
maleável com flores brancas no cabelo, umas botinas ortopédicas de
couro e um leque rosado na mão. Aquela vocação para a desgraça,
que eu tinha descoberto nela muito antes do acidente, não se notava
em seu rosto.
Estavam
Clara, Rossi, Cordero, Perfecto e Juan, Albina Renato, María, a de
óculos, Bodoque Acevedo, com sua nova dentadura, os três garotos da
finada, um loiro que ninguém me apresentou e a infeliz da Humberta.
Estavam Luqui, o Anãozinho e o mocinho que foi namorado da Adriana,
e que já não falava mais com ela. Mostraram-me os presentes:
estavam dispostos em uma prateleira do quarto. No pátio, sob um
toldo amarelo, tinham posto a mesa, que era bem comprida: duas
toalhas a cobriam. Os sanduíches de verdura e presunto e os bolos
muito bem elaborados despertaram meu apetite. Meia dúzia de garrafas
de sidra, com seus copos correspondentes, brilhavam sobre a mesa.
Fiquei com água na boca. Uma floreira com palmas-de-santa-rita
laranja e outra com cravos brancos enfeitavam as cabeceiras.
Esperávamos
a chegada de Spirito, o fotógrafo: não podíamos nos sentar à mesa
nem abrir as garrafas de sidra, nem tocar nos bolos, até que ele
chegasse.
Para
nos fazer rir, Albina Renato dançou A morte do Cisne. Ela
estuda dança clássica, mas dançou de brincadeira.
Fazia
calor e havia moscas. As flores das catalpas sujavam as lajotas do
pátio. Os homens com jornais, as mulheres com viseiras improvisadas
ou leques: todo mundo se abanava ou abanava os bolos e os sanduíches.
A infeliz da Humberta fazia isso com uma flor, para chamar atenção.
Que vento pode produzir uma flor, por muito que se agite?
Durante
uma hora de espera, em que a cada vez que soava a campainha da porta
todos nos perguntávamos se era ou não Spirito chegando, nos
entretivemos contando histórias de acidentes mais ou menos fatais.
Algumas das vítimas tinham ficado sem o braço, outras, sem as mãos,
outras, sem as orelhas. “Mal de muitos, consolo de alguns”, disse
uma velhinha, referindo-se a Rossi, que tem um olho de vidro. Adriana
sorria. Os convidados continuavam entrando. Quando chegou Spirito,
abriram a primeira garrafa de sidra. Claro que ninguém a provou.
Serviram-se várias taças e se iniciou o longuíssimo prelúdio ao
esperado brinde.
Na
primeira fotografia, Adriana, à cabeceira da mesa, procurava sorrir
ao lado dos pais. Deu muito trabalho acomodar o grupo, que não era
harmônico: o pai de Adriana era corpulento e bem alto, os pais
franziam muito o cenho, segurando as taças no alto. A segunda
fotografia não deu menos trabalho: os irmãozinhos, as tias e a avó
se agrupavam desordenadamente ao redor de Adriana, tampando-lhe a
cara. O coitado do Spirito tinha que esperar pacientemente o momento
de sossego, em que todos ocupavam o lugar indicado por ele. Na
terceira fotografia, Adriana brandia a faca para cortar um bolo que
tinha seu nome, a data de seu aniversário e a palavra FELICIDADE
escritos com merengue rosado, salpicado de jujubas.
— Ela
tinha que ficar de pé — disseram os convidados.
A
tia objetou:
— E
se os pés saírem mal?
— Não
se preocupe — respondeu o amável Spirito —, se não ficarem bem,
depois eu corto.
Adriana
fez uma careta de dor e o coitado do Spirito teve que a fotografar de
novo, afundada em sua cadeira, entre os convidados. Na quarta
fotografia, só as crianças a rodeavam; permitiram que elas
segurassem as taças erguidas, imitando os mais velhos. As crianças
deram menos trabalho que os adultos. O momento mais difícil não
tinha terminado. Era preciso levar Adriana ao quarto de sua avó,
para que tirassem as últimas fotos. Entre dois homens, levaram-na na
cadeira de vime e a deixaram no quarto, com as palmas-de-santa-rita e
os cravos. Lá a puseram sentada em um divã, entre vários
almofadões sobrepostos. No quarto, que media cinco por seis metros,
havia aproximadamente quinze pessoas enlouquecendo o coitado do
Spirito, dando-lhe indicações e aconselhando Adriana a respeito da
posição que devia adotar. Ajeitavam seu cabelo, cobriam seus pés,
adicionavam almofadões, colocavam flores e leques, erguiam sua
cabeça, abotoavam-lhe a gola, botavam-lhe pó de arroz, pintavam
seus lábios. Não se podia nem respirar. Adriana suava e fazia
caretas. O coitado do Spirito esperou mais de meia hora, sem dizer
uma palavra; em seguida, com muitíssimo tato, tirou as flores que
tinham sido colocadas aos pés de Adriana, dizendo que a menina
estava de branco, e que as palmas-de-santa-rita alaranjadas destoavam
do conjunto. Com uma santa paciência, Spirito repetiu a consabida
ameaça:
— Agora
vai vir o passarinho.
Acendeu
as lâmpadas e tirou a quinta fotografia, que terminou em um trovejo
de aplausos. Do lado de fora, as pessoas diziam:
— Parece
uma noiva, parece uma verdadeira noiva. Uma pena, as botinas.
A
tia de Adriana pediu que fotografassem a menina com o leque de sua
sogra na mão. Era um leque com renda Alençon e lantejoulas, cujas
varetas de madrepérola tinham pequenas pinturas feitas à mão. O
coitado do Spirito não achou de bom gosto introduzir na fotografia
de uma menina de catorze anos um leque preto e triste, por mais
valioso que fosse. Tanto insistiram que ele aceitou. Com um cravo
branco em uma mão e o leque preto na outra, Adriana saiu na sexta
fotografia. A sétima motivou discussões: se seria tirada dentro do
quarto ou no pátio, junto ao avô osso duro de roer, que não queria
sair de seu canto. Clara disse:
— Se
é o dia mais feliz da vida dela, como não vão fotografá-la perto
do avô, que a ama tanto. — Em seguida, explicou: — Um ano atrás
esta menina se debatia nos braços da morte, ficou paralítica.
A
tia declarou:
— Nós
nos desvelamos para salvá-la, dormindo ao lado dela nos pisos frios
dos hospitais, dando nosso sangue em transfusões, e agora, no dia de
seu aniversário, vamos deixar passar o momento mais solene do
banquete, nos esquecendo de colocá-la no grupo mais importante, ao
lado de seu avô, que sempre foi seu preferido?
Adriana
se queixava. Acho que pedia um copo d’água, mas estava tão
agitada que não conseguia pronunciar palavra alguma; além disso, o
estrondo que as pessoas faziam ao se movimentar e ao falar teria
sufocado suas palavras, se ela as tivesse pronunciado. Dois homens a
levaram outra vez ao pátio, na cadeira de vime, e a puseram junto à
mesa. Nesse momento se ouviu, vinda de um alto-falante, a canção
ritual de “Feliz aniversário”. À abeceira da mesa, ao lado do
avô e do bolo com velinhas, posou para a sétima fotografia, com
muita serenidade. A infeliz da Humberta conseguiu se meter no
retrato, em primeiro plano, com suas omoplatas descobertas e
despeitada como sempre. Eu a acusei em público pela intromissão e
sugeri ao fotógrafo repetir a foto, o que ele fez de bom grado.
Ressentida, a infeliz da Humberta foi para um canto do pátio; o
loiro que ninguém me apresentou a seguiu e, para confortá-la,
soprou algo em seu ouvido. Se não tivesse sido por essa infeliz, a
catástrofe não teria acontecido. Adriana estava a ponto de desmaiar
quando a fotografaram de novo. Todos me agradeceram. Abriram as
garrafas de sidra; as taças transbordavam de espuma. Cortaram os
dois bolos em fatias gordas, que se repartiam em cada prato. Essas
coisas levam tempo e atenção. Algumas taças foram derramadas sobre
a toalha de mesa: dizem que traz sorte. Com a ponta dos dedos,
umedecemos a testa. Alguns mal-educados já tinham bebido a sidra
antes do brinde. A infeliz da Humberta deu o exemplo, e passou a taça
ao loiro. Foi só mais tarde, quando provamos o bolo e brindamos à
saúde de Adriana, que percebemos que ela tinha dormido. A cabeça
pendia do pescoço como um melão. Não era estranho que, sendo
aquela sua primeira saída do hospital, o cansaço e a emoção a
tivessem vencido. Algumas pessoas riram, outras se aproximaram e
bateram em suas costas para acordá-la. A infeliz da Humberta, aquela
estraga-prazeres, sacudiu um de seus braços e berrou:
— Você
está gelada.
Esse
pássaro de mau agouro disse:
— Ela
está morta.
Algumas
pessoas que estavam longe da cabeceira acharam que se tratava de uma
brincadeira e disseram:
— E
como não vai estar morta, com este dia?
Bodoque
Acevedo não largava de sua taça. Todos pararam de comer, menos
Luqui e o Anãozinho. Outros, dissimuladamente, guardavam pedaços de
bolo espremido e sem merengue no bolso. Como a vida é injusta! Em
vez de Adriana, que era um anjinho, bem que podia ter morrido a
infeliz da Humberta!
Silvina Ocampo, in A fúria
Nenhum comentário:
Postar um comentário